Há menos de um mês, uma mensagem apareceu em um lençol branco pendurado em uma ponte em Rosário, uma cidade portuária fluvial de 1,3 milhão de habitantes na Argentina, alertando para a “morte iminente de inocentes” se o governo da província continuasse a reprimir os criminosos.
Local de nascimento de figuras conhecidas que vão do revolucionário Che Guevara ao astro do futebol Lionel Messi, Rosário mais recentemente se tornou conhecida por um motivo diferente: ela se transformou em um centro do tráfico de drogas depois que grupos latino-americanos intensificaram as exportações de cocaína para atender a demanda crescente na Europa e nos EUA.
Uma onda sem precedentes de ataques de gangues contra civis deixou quatro mortos e desencadeou várias greves paralisantes de trabalhadores do setor de transporte na cidade em março. Os assassinatos chocaram a Argentina, que nunca sofreu o grau de violência causado pelas drogas que afeta outros países da região, como a Colômbia e o México.
“Ninguém sai de casa à noite, e às vezes nem mesmo de dia”, diz Jorge, um taxista na casa dos 40 anos. “Eles acabaram com a nossa liberdade.”
A violência também expôs o desafio de enfrentar a criminalidade relacionada às drogas ao mesmo tempo em que o país enfrenta uma crise econômica profunda.
Javier Milei, o presidente libertário da Argentina que assumiu em dezembro, culpou os governadores anteriores da província de Santa Fé, de tendência esquerdista, por “entregarem a cidade aos criminosos”. Milei conseguiu um forte apoio dos eleitores em Rosário, obtendo 58% dos votos no segundo turno das eleições em novembro.
Ele enviou centenas de policiais federais para Rosário, apresentou um projeto de lei ao Congresso que permitiria a intervenção militar e prometeu enquadrar membros das gangues como terroristas. “As forças de segurança têm nosso apoio irrestrito para fazer o que for preciso para restabelecer a ordem”, disse Milei.
Mas ao mesmo tempo, Milei, um autodenominado “anarco-capitalista” empenhado em encolher o Estado inchado da Argentina, cortou os financiamentos para Santa Fé e outras províncias em seu esforço para acabar com o déficit fiscal crônico da Argentina. Milei eliminou quase que totalmente as transferências federais discricionárias, que representaram 8% do orçamento de Santa Fé em 2023.
O governo de Milei também encerrou 88% dos projetos de obras públicas da Argentina, que segundo ele são uma fonte de corrupção. Os projetos congelados incluem a urbanização de uma favela em Rosário.
O porta-voz de Milei disse ao “Financial Times” que nenhum recurso adicional foi destinado a Santa Fé para ajudar no combate às gangues, além do fornecimento das forças de segurança. Ainda assim, autoridades da província em Rosário disseram que seria necessário mais do que um reforço da segurança para resolver o problema.
“Os tiroteios são o que vemos. Mas por trás disso há todo tipo de problemas sociais e de infraestrutura”, diz Ramiro Galassi, um assessor do Ministério da Segurança de Santa Fé.
A corrupção entre os mal remunerados policiais e trabalhadores prisionais da província é um grande problema, segundo especialistas, assim como a vasta economia informal de Santa Fé, que torna mais fácil para os traficantes de drogas a lavagem de dinheiro.
“Não resolveremos isso sem um Estado muito mais forte e mais sofisticado do que temos hoje em Santa Fé”, diz Luis Schiappa Pietra, um promotor público da província que trabalha em casos relacionados às drogas. “Isso custa dinheiro aqui como em qualquer outro lugar.”
Em um bairro operário nos arredores de Rosário, casas térreas de blocos de concreto e ruas semi-pavimentadas são pontuadas pelos chamados “bunkers”: buracos do tamanho de tijolos nas paredes que funcionam como lojas improvisadas de esquina onde garotos – conhecidos localmente como “soldadinhos” – vendem drogas.
A algumas quadras de distância, vários adolescentes estão sentados no pátio úmido de um pequeno centro comunitário, esperando por uma pizza no almoço. O centro, que tem uma biblioteca e dá aulas de boxe, futebol e robótica, recebe recursos nacionais e da província, segundo seu líder, que não quis dar seu nome por razões de segurança.
“Este é o último elo da corrente, porque além deste lugar, essas crianças não têm para onde ir, a não ser as ruas”, diz ele. “Desde dezembro, não recebemos recurso de nenhum nível. No fim de março o dinheiro acaba e eu não sei o que acontecerá depois.”
O governo de província não quis comentar o caso específico, mas disse que aumentou os financiamentos para alguns programas sociais em 80%. A ministra da Igualdade de Santa Fé, Victoria Tejeda, disse que os refeitórios sociais continuam operando e que “estão funcionando muito bem”.
No entanto, ela acrescenta que “não estamos recebendo nenhum apoio do governo nacional”. A posição de Rosário no rio Paraná, uma rota crítica da América do Sul para o Atlântico, deixou a cidade vulnerável à medida que o tráfico de drogas na região se afastou dos centros históricos como a Colômbia e o México. Um relatório de 2015 da Organização das Nações Unidas (ONU) constatou que a Argentina foi o país de trânsito de cocaína mais citado pelos países importadores nos dez anos anteriores.
As gangues que operam em Rosário são “grupos de bairro muito pequenos”, em vez de grandes carteis que dominam as manchetes em lugares como o México, El Salvador e Brasil, afirma Carlos del Frade, um ex-jornalista e atual legislador provincial que estuda o problema das drogas na cidade há décadas.
“Eles são pagos por gangues estrangeiras para ajudar a levar suas drogas até o porto. Para cada 1,5 tonelada, eles podem ganhar 50 quilos”, diz ele. “É isso que acaba alimentando os conflitos entre os 46 grupos existentes em Rosário.”
Esteban Santantino, diretor de análises do Ministério da Segurança da província, diz que é impossível fornecer um número dos grupos ou indivíduos envolvidos porque eles não operam dentro das estruturas hierárquicas e de lealdade rígidas dos carteis, e sim em “alianças improvisadas”, operando por empreitas. “O fato é que o crime organizado em Rosário é bastante desorganizado”, acrescenta ele.
O governador de Santa Fé, Maximiliano Pullaro, um ex-ministro da Segurança do partido centrista Unión Cívica Radical, foi eleito no ano passado sob a promessa de adotar medidas duras para “retomar as ruas”, depois que 291 pessoas foram mortas na área de Rosário em 2022 – dando à cidade uma taxa per capita cinco vezes maior do que e média nacional.
Pullaro intensificou a presença da polícia provincial e lançou um regime mais duro para os líderes de gangues que se encontram presos e que, segundo as autoridades, dão as ordens para a maioria dos crimes. Ele limitou as visitas que eles podem receber e aumentou as vistorias nas celas.
Essas medidas coincidiram com uma queda do número de assassinatos em Rosário nos primeiros três meses de 2024, com 32 registrados até 25 março, em comparação a 79 no mesmo período do ano passado. Mas após a eclosão dos ataques contra civis, alguns temem que essa melhoria possa não durar.
“Estamos à beira de um novo ciclo de violência em Rosário”, diz Juan Monteverde, líder de um novo partido de esquerda, que perdeu por pouco as eleições para prefeito da cidade no ano passado. “As gangues nunca se sentiram tão fortalecidas… e o Estado nunca esteve tão fraco e teve tão poucos recursos.”
Em Empalme Graneros, um bairro operário que tem sido um foco de violência relacionada às drogas, forças da polícia federal eram visíveis em nas ruas na semana passada. Osvaldo Ortolani, da associação de moradores local, disse estar preocupado com o retorno da presença policial aos níveis “mínimos” normais se as atenções nacionais se voltarem para outro lugar. Os assassinatos deliberados de pessoas que não pertencem às gangues, porém, poderão ter um impacto duradouro, afirmou ele.
“Havia antes o mito de Robin Hood em relação aos gangsters, tipo ‘aquele cara não é tão ruim, eu o conheço, ele vai cuidar da gente’. Mas isso foi quebrado. Os códigos estão quebrados. Agora é só pânico.”