Apontada pelo setor de transporte marítimo de carga como um momento de desarranjo logístico, a pandemia impactou a oferta de contêineres, afetou o preço do frete e bagunçou as cadeias globais de suprimento. Passados os anos mais críticos, o futuro do segmento ainda é incerto, e novas ameaças ao mercado preocupam seus representantes.
Em um relatório sobre o comércio global publicado em fevereiro deste ano, a sigla em inglês para Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) afirma que o cenário geopolítico atual vem reforçando o aumento nas distâncias percorridas por navios cargueiros.
“Os grãos para o Egito agora são provenientes do Brasil ou dos Estados Unidos em vez da Ucrânia, enquanto os envios de petróleo russo têm como destino a Índia e a China em vez da Europa”, exemplifica o órgão.
Trajeto mais longo, o desvio de navios pelo cabo da Boa Esperança, no sul da África, para evitar ataques a embarcações no mar Vermelho, vem pressionando pelo aumento da velocidade, ainda de acordo com a Unctad.
A aceleração, no entanto, emite mais gases causadores do efeito estufa e vai de encontro ao comportamento adotado pelo setor na última década, em que as velocidades de navegação foram reduzidas na tentativa de cortar custos de combustível e poluir menos.
O órgão das Nações Unidas calcula que uma viagem de ida e volta entre Singapura e o norte da Europa, passando pelo cabo da Boa Esperança, aumenta em mais de 70% a emissão de gases do efeito estufa, na comparação com o trajeto mais curto feito pelo canal de Suez.
Outro problema que persiste é o frete caro. Segundo a consultoria em logística e comércio exterior Solve Shipping, o índice que monitora o preço do frete nas rotas que saem de Xangai, na China, para o resto do mundo continua em nível elevado.
Leandro Barreto, sócio-gestor da Solve Shipping, afirma que, em março, houve uma reacomodação do mercado após as altas consecutivas decorrente dos desvios de rota pelo sul da África, e o frete arrefeceu. No entanto, o número permanece elevado e distante do patamar pré-pandemia.
Barreto diz que, durante o isolamento social, consumidores passaram a fazer mais compras em plataformas de ecommerce como Amazon e AliExpress e, com uma demanda forte, armadores marítimos (donos das embarcações) compraram mais navios.
“Só que navio leva dois, três anos para ficar pronto. Eles [armadores] compraram no momento em que a demanda estava bombando e receberam quando a demanda estava patinando. Inflação, alta de juros a demanda caiu”, afirma.
A temporada de mercado desaquecido e frete em queda, que perdurou em boa parte do ano passado, sofreu uma reviravolta com os ataques no canal de Suez combinados com a seca no canal do Panamá. Segundo Barreto, eventos extraordinários, como conflitos, estão tornando os fretes cada vez mais voláteis e, por isso, ainda é difícil dizer qual será a tendência para os próximos meses.
Na opinião de Fábio Pina, economista da FecomercioSP, a chance de o setor não se deparar com problemas que afetem a logística é baixa. No entanto, neste momento, há “um pouco de problema demais”.
Pina vê surgir no horizonte um cenário de maiores tensões globais sem soluções a curto prazo para conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, o que pode afetar o setor, segundo ele.
Ainda é cedo para saber qual será o impacto dos conflitos ao redor do globo no Brasil, de acordo com a consultoria de comércio exterior marítimo Datamar. Segundo levantamento da empresa, em janeiro deste ano, o país exportou 18,3% mais em contêineres do que no mesmo mês do ano passado, chegando a 228,7 mil TEUs (medida que equivale a um contêiner de 20 pés, ou pouco mais de 6 metros) enviados para fora. As importações, por sua vez, aumentaram 10%, com um volume de 245,3 mil TEUs entrando no país.
“O comércio internacional de contêineres é uma medida importante de crescimento econômico. Se a economia cresce, o comércio em contêineres também deve aumentar”, diz Andrew Lorimer, CEO da Datamar.
Lorimer descreve a pandemia como um período de “caos logístico”.
“Toda logística, que antes era como um reloginho, parou de acontecer. A quantidade de contêiner que o Brasil conseguia trazer para cá ficou extremamente reduzido. Por isso teve essa queda na importação brasileira [em 2020]”, afirma.
Segundo Fernanda Brandão, coordenadora do curso de relações internacionais da Mackenzie Rio, o Brasil está em uma posição privilegiada, longe de conflitos atuais, como os da Ucrânia e do mar Vermelho. O problema, diz ela, é a dependência que a indústria brasileira tem de insumos vindos de outros países.
“O principal problema para o Brasil é a inflação. O frete vai aumentar o preço desses insumos, que, por sua vez, impacta no preço do que é produzido nacionalmente”, diz Brandão.