Dois dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram no sentido de que as Forças Armadas não devem fazer “indevidas intromissões” no funcionamento dos Poderes, nem podem ser usadas pelo presidente da República contra o Legislativo e Judiciário. Os votos são dos ministros Luiz Fux, relator da ação, e Luís Roberto Barroso.
Os ministros se manifestaram em ação proposta pelo PDT. Na ação, o partido pediu esclarecimentos sobre a previsão constitucional de atuação das Forças Armadas – entre eles, de que sua destinação na garantia da lei e da ordem seria restrita a situações extraordinárias de defesa da autonomia federativa, do Estado e das instituições democráticas, sendo vedado seu emprego em atividades ordinárias de segurança pública.
Para o relator, ministro Luiz Fux, a chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para “indevidas intromissões” no independente funcionamento dos Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República.
Ainda segundo Fux, o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, serve ao “excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna”, de forma subsidiária – depois de esgotados os mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem, por meio da atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle dos Poderes.
No voto, o relator analisou o alcance semântico das atribuições conferidas às Forças Armadas pelo artigo 142 da Constituição (reproduzido na Lei Complementar 97, de 1999). O dispositivo afirma que as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. O dispositivo já foi citado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em pedidos de intervenção militar “dentro da Constituição”.
Segundo Fux, a Constituição colocou as Forças Armadas no âmbito do controle civil do Estado, como “instituições nacionais permanentes e regulares” – atributos que as qualificam como órgãos de Estado, e não de governo, portanto, “indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político.”
Ainda segundo o relator, a defesa da pátria implica proteção material da soberania brasileira e medidas que a lei permitir para a proteção dos interesses da República. “Tais medidas não se iniciam nem se esgotam nas hipóteses excepcionais de intervenção, de estado de defesa e de estado de sítio. Pelo contrário, há uma miríade de possibilidades de atuação prévia das Forças Armadas para a proteção das faixas de fronteiras, dos espaços aéreos e marítimos, inclusive em períodos de paz”, afirmou Fux, no voto.
Para o relator, não cabe a interpretação de que a Constituição permite que os militares promovam o “funcionamento dos Poderes constituídos”, podendo intervir nos Poderes ou na relação entre uns e outros. “Inexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização”, afirma.
Ainda segundo o relator, as Forças Armadas não são um Poder da República, mas uma instituição à disposição dos Poderes constituídos para, quando convocadas, agirem instrumentalmente em defesa da lei.
“O mesmo texto segundo o qual ‘todo o poder emana do povo’ não pode, sem um inadmissível desvirtuamento, ser lido como autorizador de uma ‘intervenção militar’ para manietar os poderes constituídos”, afirmou Fux, no voto. De acordo com o ministro, os detentores das armas precisam estar conformados por limites claros.