Brasil e Argentina devem manter diálogo profundo entre altas esferas de poder dos dois países, assim como entre empresários. Apenas desta maneira evitarão ruídos em torno de medidas monetárias e cambiais que o vizinho está tomando, afirma Felix Peña, ex- subsecretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia da Argentina e membro do Grupo Mercado Comum do Mercosul (1998-1999).
A recente desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar causou ruído no país vizinho. Segundo a imprensa argentina, o real mais fraco poderia impactar o comércio bilateral e prejudicar os planos do governo de Javier Milei de estabilização do peso argentino. Isso por conta do possível impacto sobre exportações argentinas, que ficariam mais caras, e de uma hipotética diminuição da demanda brasileira de produtos argentinos.
Na semana passada, o site do canal argentino Todo Notícias publicou uma matéria sobre como a desvalorização do real pressionava a estratégia do governo Milei de estabilizar a moeda argentina. “Isso afeta de maneira direta a competitividade do peso, que se determina precisamente em relação a uma cesta integrada por moedas de países que comercializam com a Argentina”, diz o texto. A matéria cita ainda a possibilidade de redução do ritmo do processo inflacionário por conta da desvalorização do real.
“É muito importante que a relação Brasil-Argentina, depois de tantos anos, tenha intensa comunicação a nível político e também empresarial sobre esses temas”, afirma Peña, ao frisar que espera que esse diálogo exista. “Uma interação muito intensa, um diálogo que faça com que tanto vocês como nós possamos, por um lado, ter elementos para entender o comportamento de vocês [em relação ao real], e, por outro, entender como podemos preservar a qualidade e intensidade da relação bilateral, apesar de disparidades conjunturais”
Ele afirma que, se estivesse na esfera de tomada de decisão, como um político, “estaria mais do que interessado em conhecer as visões e opiniões do outro lado”. “Para saber o que permite entender o comportamento cambial e monetário do país e até onde podemos continuar trabalhando juntos”, acrescenta.
Peña acredita que o momento difícil pelo qual passa a Argentina hoje, para ajustar seus fundamentos econômicos, não necessariamente prejudicará as relações econômicas com o Brasil.
“Não sei se [o ajuste pelo qual passa a Argentina] está prejudicando as relações entre os países. Mas não ter uma maneira de encarar bem os problemas que são esperados para os próximos quatro, cinco meses e não ter um bom diagnóstico do que está acontecendo poderia levar, de ambos os lados, a soluções não ajustadas à densidade do problema”, diz. “É óbvio que, neste momento, se requer do Brasil um bom conhecimento sobre a densidade e intensidade dos problemas que estamos enfrentando no sistema econômico da Argentina.”
Além de aprofundar o entendimento sobre o que ocorre no país vizinho para evitar ruídos, Peña acredita que manter um canal de diálogo fluído e em diferentes níveis entre os países é fundamental também para ganharmos envergadura nas negociações em torno do acordo Mercosul-União Europeia.
“Esse é um tema que requer, por parte da Argentina e do Brasil, poder trabalhar juntos para resolver os principais problemas, sobretudo quanto à adaptação do que queremos fazer”, diz. “Tenho a impressão que parte dos problemas que estamos enfrentando no chamado ‘Mercosul’ têm origem em diagnósticos antigos sobre o que deveria ser o Mercosul.”