O Brasil registrou neste ano uma piora na qualidade das suas praias e atingiu o menor patamar de trechos próprios para banho durante o ano inteiro desde 2016, aponta levantamento da Folha de S.Paulo. O cenário demanda cuidados aos banhistas, que devem tomar a costa brasileira no verão que começa neste sábado.
É o menor número da série histórica, que contempla oito dos nove últimos anos — excluindo 2020, quando houve um apagão nos dados sobre balneabilidade em meio à pandemia de covid-19.
Em 2016, quando os dados de balneabilidade começaram a ser compilados pela Folha de S.Paulo, 384 dessas mesmas praias foram classificadas como boas, ou seja, tiveram apenas classificações próprias durante o ano.
Uma das praias que registraram classificação ruim no levantamento é o trecho do Leblon próximo à Avenida Afrânio de Melo Franco, na zona sul do Rio de Janeiro. A situação já tinha acontecido no ano passado.
Um semblante de decepção toma conta do rosto da advogada Camila Queiroz ao saber disso. Ela saiu com a família do bairro de Botafogo, onde mora há 14 anos, em busca do mar do Leblon ao meio-dia de uma quinta-feira, em meio ao calor de dezembro.
“Que pena saber disso porque é bonito demais. Às vezes a água está clarinha, transparente, engana muito”, afirma Camila ao ser informada sobre a condição imprópria para banho da praia que é um dos cartões-postais do Rio de Janeiro.
Os dados apontam para uma progressiva queda na qualidade da água dentre o universo de praias que mantiveram constância na aferição da balneabilidade. Há nove anos, 44% delas foram consideradas próprias o ano todo, percentual que caiu para 30% em 2024.
Dentre as praias que tiveram queda na qualidade da água estão alguns destinos turísticos badalados como Morro de São Paulo, no baixo-sul da Bahia.
Em 2016, as 3ª e 4ª praias do balneário eram consideradas boas, mas neste ano elas foram respectivamente classificadas como ruim imprópria em mais de 25% das medições e péssima imprópria em mais da metade dos testes realizados ao longo do ano.
A Embasa, empresa de água e saneamento da Bahia, informou que moradores e empreendimentos lançam esgoto e lixo no riacho da Biquinha, que deságua na 1ª praia, o que compromete a balneabilidade na região. A estatal destacou que realiza fiscalizações periódicas.
No Rio de Janeiro, praias que em 2023 estavam próprias o ano todo chegaram rapidamente ao outro extremo, sendo classificadas como péssimas. Foi o que aconteceu com as praias de Lagomar, em Macaé, e a do centro de Rio das Ostras, ambas na Região dos Lagos.
O mesmo aconteceu com três praias de São Francisco de Itabapoana, cidade do norte fluminense onde desemboca o rio Paraíba do Sul, um dos mais importantes do Sudeste. As praias de Gargaú, Itaperuna e Tropical, todas classificadas como boas no ano passado, agora foram consideradas péssimas.
O Instituto Estadual do Ambiente informou que a estiagem modificou a foz do rio Paraíba do Sul, influenciando a balneabilidade das praias em seu entorno. Sobre o Leblon, na capital, destacou que o trecho impróprio fica próximo à foz do canal do Jardim de Alah, onde ocorre a troca de água entre o mar e a lagoa Rodrigo de Freitas.
A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Foram apurados dados das praias de 14 estados no período de 12 meses entre novembro de 2022 e outubro de 2023. As praias do Amapá, Piauí e Pará ficaram de fora porque não medem a qualidade da água.
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.
Nadar em áreas impróprias pode causar problemas de saúde, sobretudo doenças gastrointestinais ou de pele, como micoses. Outros focos de contaminação, como a presença de lixo e óleo no mar, que não são considerados nesta análise.
O lançamento de água sem tratamento ao mar também afeta o ecossistema local, podendo contaminar organismos que servem como alimentos, caso de ostras, sururus, vôngoles e mariscos. O aumento da turbidez da água pode ser um problema para organismos sensíveis, como os corais.
De todos os 1.361 pontos do litoral brasileiro que disponibilizaram dados sobre balneabilidade em 2024, só 416 foram considerados bons o ano todo (30,6%). Outros 447 foram avaliados como ruins ou péssimos (32,8%) e 416 regulares (30,6%). Há ainda 82 pontos sem medição (6%).
Entre as regiões, o Sul concentra o maior percentual de praias boas (36,3%). Os destaques são os estados do Rio Grande do Sul, com 81,4% de praias próprias o ano inteiro, e Paraná, com 63,6%.
Santa Catarina vai na contramão com apenas 21% das praias classificadas como boas neste ano. Um dos principais destinos turísticos do estado, Balneário Camboriú teve apenas 3 dos 15 pontos de medição considerados bons. Dentre os demais, 1 estava regular, 7 ruins e 4 péssimos.
Dentre os estados Nordeste, Maranhão e Bahia concentram a maioria das praias consideradas ruins ou péssimas. Em Salvador, as praias da Pituba, Corsário e Cantagalo passaram a figurar entre as péssimas, ou seja, impróprias em mais da metade das medições.
A Bahia ampliou os pontos de medição da balneabilidade em 2024, incluindo praias turísticas como Pratigi, em Cairu, Arraial DAjuda, em Porto Seguro, e Santo Antônio, em Mata de São João.
Foi um movimento na contramão de Pernambuco, onde não houve medição em metade dos pontos de monitoramento. O estado ainda não retomou a análise em pontos cuja qualidade da água era medida antes da pandemia.
Embora o Sudeste esteja próximo à média nacional, o Rio de Janeiro se destaca como o estado em todo o país com o pior percentual de praias classificadas em 2024 como ruins ou péssimas: 43,4%.
A cidade de Santos, por sua vez, viu melhorar a qualidade das suas praias neste ano. Pela primeira vez desde 2016, a principal cidade da Baixada Santista não teve nenhuma praia considerada péssima em sua balneabilidade.
Dos sete pontos analisados pela Cetesb (agência ambiental paulista), cinco foram classificados como ruins e dois, como regulares. Em 2023, foram quatro péssimos e três ruins e, no ano anterior, todos estavam péssimos.
O avanço da urbanização de áreas litorâneas sem planejamento, associado a gargalos no saneamento básico e no descarte irregular das águas da chuva, estão entre os fatores centrais para a queda na qualidade da água das praias brasileiras.
“As cidades cresceram, aumentou a vazão das águas lançadas sem tratamento, ou com tratamento primário, nas redes pluviais ou na drenagem diretamente nos corpos d’água que desembocam no oceano. É uma realidade em quase todas as cidades litorâneas”, avalia o biólogo Clemente Coelho, professor da Universidade de Pernambuco.