Por que encenar sonhos, como se fossem reais, pode ser um sinal precoce do Parkinson

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por O Diretório
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Wes Mills tem um ritual noturno bem peculiar, que surpreendeu e divertiu sua esposa quando os dois começaram a viver juntos, uma década atrás: ele se mexia bastante durante o sono, como se fosse um ator encenando seus sonhos, com todo o drama. Certa vez, ele correu na cama para escapar de um agressor. Outra vez, acenou para um pequeno guaxinim comer de sua mão. Outra vez ainda, bolou estratégias com outros presidiários durante um motim na cadeia.

“Eu dava risada e chamava de The Wes Show”, diz Eileen Mills, 49 anos, de Taos, Novo México.

Mas hoje ela não acha mais graça.

Wes Mills, artista contemporâneo com trabalhos no Whitney e no MoMA, não consegue segurar um lápis há mais de um ano. Seu tremor começou em um lado do corpo e agora afeta os dois. Em janeiro, aos 63 anos, ele foi diagnosticado com a doença de Parkinson.

Os pesquisadores dizem que esses movimentos que parecem de um ator representando o sonho podem indicar problemas de saúde, sendo um dos mais graves e comuns o futuro aparecimento da doença de Parkinson. Wes Mills começou encenar sonhos mais de dez anos antes de seu primeiro tremor aparecer.

Outros problemas comuns que podem levar à encenação de sonhos são a apneia obstrutiva do sono e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

As pessoas que se mexem como atores de seus sonhos com frequência devem consultar um médico e se submeter a um estudo do sono para descobrir a razão de seu comportamento, dizem os especialistas.

Ao passar para o sono de movimento rápido dos olhos (REM), quando ocorrem os sonhos, o corpo normalmente entra em um estado de paralisia quase total, para evitar a encenação dos sonhos. Mas algumas pessoas – aproximadamente 1% das pessoas com mais de 50 anos – perdem essa paralisia.

Esse problema crônico, conhecido como transtorno comportamental do sono REM (ou RBD, na sigla em inglês), aparece com mais frequência em homens de meia-idade, descobriram os pesquisadores.

“O tronco cerebral tem dois núcleos ligados que geram a paralisia protetora do sono REM. Quando um deles, ou sua via de conexão, se danifica, isso libera o tônus muscular”, informa Carlos Schenck, psiquiatra do Centro de Transtornos do Sono de Minnesota. “Aí as pessoas acabam encenando os sonhos”.

Em 1986, Schenck e seus colegas identificaram pela primeira vez o RBD em quatro homens e uma mulher, todos com mais de 60 anos. A maioria tinha um longo histórico de machucarem a si mesmos ou a seus companheiros de cama com comportamentos agressivos durante o sono. Um paciente tentara estrangular a esposa enquanto sonhava que estava lutando contra um urso, outro derrubou móveis durante um sonho em que era jogador de futebol. Os pesquisadores observaram que o RBD é diferente do sonambulismo, que se origina do sono não-REM.

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O comportamento de encenação de sonhos também foi documentado na apneia obstrutiva do sono grave, pois esta faz com que as pessoas parem de respirar abruptamente por breves períodos durante o sono e até despertem parcialmente. Como essas paradas respiratórias são mais comuns e graves no sono REM, as pessoas às vezes representam cenas de seus sonhos, imitando os sintomas do RBD, disse Schenck.

Cerca de 39 milhões de adultos nos Estados Unidos têm apneia obstrutiva do sono, de acordo com o Conselho Nacional do Envelhecimento, mas não se sabe quantos desses adultos se mexem como atores de seus sonhos.

De maneira similar, as pessoas com TEPT podem mostrar sinais de reviver o trauma por meio da encenação de sonhos. Aproximadamente 70% dos pacientes com TEPT relatam distúrbios do sono e até 70% têm pesadelos recorrentes. Mas não existem dados sobre a prevalência do comportamento de encenação de sonhos no TEPT, disse Schenck.

Para as pessoas com RBD, o risco de Parkinson é espantosamente alto. Indivíduos de mais de 50 anos com RBD idiopático – que ocorre espontaneamente, sem outras queixas de saúde ou alterações de medicação recentes – têm uma probabilidade 130 vezes maior de desenvolver a doença de Parkinson em comparação com alguém que não tenha o problema.

“Não tem nada igual. Oitenta porcento das pessoas que têm esse problema desenvolvem a doença de Parkinson 15 a 20 anos depois”, diz Ronald Postuma, diretor de neurologia do Centro de Saúde da Universidade McGill.

O RBD é dez vezes melhor do que qualquer outro marcador clínico – por exemplo, exame motor anormal ou perda do olfato – na previsão de um possível aparecimento do Parkinson. O RBD também está fortemente associado a outras sinucleinopatias, um grupo de doenças que inclui a demência por corpos de Lewy e a atrofia de múltiplos sistemas.

O cérebro das pessoas com o RBD idiopático tem alfa-sinucleína mal dobrada em quantidade suficiente para afetar o sono REM, mas a proteína prejudicial não chegou a se espalhar pelo cérebro, dizem os especialistas.

Mais raramente, o RBD pode ser causado por um acidente vascular cerebral, um tumor ou medicamentos como certos antidepressivos.

O RBD apresenta uma oportunidade única para os pesquisadores estudarem a doença de Parkinson precoce, bem como sua progressão e terapias preventivas. Michele Hu, professora de neurociência clínica na Universidade de Oxford, está liderando um ensaio randomizado controlado por placebo em pacientes com RBD que testa se um medicamento pode reduzir a inflamação cerebral, uma característica inicial do Parkinson.

“Sabemos que modificações no estilo de vida, como exercícios físicos, também reduzem a progressão do Parkinson, então existem ainda mais razões para que provavelmente sejam eficazes no RBD”, disse Hu. “E é isso que digo a todos os pacientes que diagnosticamos com RBD”.

Pessoas com RBD, diagnosticadas por meio de um estudo do sono, podem se inscrever no registro RBD estabelecido pelo Consórcio Norte-Americano de Sinucleinopatia Prodrômica (NAPS, na sigla em inglês), que visa desenvolver tratamentos para prevenir ou retardar o aparecimento de doenças neurodegenerativas associadas ao RBD.

A Fundação Michael J. Fox também está procurando pessoas que encenam seus sonhos para participar da Iniciativa de Marcadores de Progressão de Parkinson (PPMI) para identificar marcadores biológicos de risco, início e progressão do Parkinson.

“Você tem que planejar sua vida de acordo – planejamento de aposentadoria, planejamento financeiro, fazer aquelas viagens com a família que você está adiando”, diz Schenck. “Acho que o diagnóstico é muito útil em termos de planejamento de vida, não é só para gerar tristeza e desgraça”.

Eileen Mills vem tentando encontrar um equilíbrio entre viver o momento – como sair para caminhadas com o marido e o cachorro – e fazer os preparativos necessários com base no diagnóstico dele, como um seguro de longo prazo. E Wes Mills ainda adora criar arte. Ele se concentra nas coisas que consegue fazer, como esculpir e entalhar madeira.

“Quando ficou claro que ele não conseguia mais segurar um lápis, ele não perdeu o ritmo. Começou a trabalhar com outros materiais imediatamente”, disse Eileen. “Wes é o ser humano mais extraordinário que conheço, de verdade”.

Meeri Kim é escritora de ciência com doutorado em física pela Universidade da Pensilvânia. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Fonte: Externa

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