Frequentemente descrito, de forma simplificada, como o grupo das 20 nações mais ricas do mundo, o G20 ostenta números superlativos: responde por aproximadamente 80% do PIB global, cobre 60% do território do planeta, envolve 75% do comércio internacional e abriga dois terços da população da Terra. Sem ligar para críticas à sua representatividade distante do ideal, o G20 costumava apregoar anos atrás que seu “peso econômico e a ampla filiação dão (…) um alto grau de legitimidade e influência sobre o gerenciamento da economia global e do sistema financeiro”.
Criado em 1999, num momento de crise financeira mundial, o G20 encontra-se em 2024 numa situação aparentemente mais favorável. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê para a economia do grupo um “pouso suave” neste ano, salvo imprevistos. O problema é que, como lembra a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os “riscos geopolíticos permanecem elevados, particularmente em relação ao conflito no Oriente Médio”. Nessa equação de ameaças, muitos analistas incluem também uma possível vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos.
Apesar de o nome continuar como G20, agora o grupo tem 21 integrantes permanentes. São 19 países, mais a União Europeia e, desde o ano passado, a União Africana. A imagem como clube dos mais poderosos esconde disparidades. É mais ou menos como imaginar que os 20 clubes da Série A representam a nata do futebol brasileiro e que, portanto, potências como Flamengo, Palmeiras e Corinthians entram em campo em pé de igualdade com Criciúma, Cuiabá e Atlético Goianiense.
Em termos de PIB, ao lado dos US$ 27 trilhões dos Estados Unidos, estão os US$ 380 bilhões da África do Sul. O PIB per capita (em poder de paridade de compra) traz os americanos com US$ 80,4 mil e os indianos, com US$ 9 mil (ainda pior é a média dos 55 países da União Africana: US$ 6,3 mil). Comparando populações, numa ponta há China e Índia, com 1,4 bilhão cada, e na outra, a Austrália, com somente 26 milhões. O contraste é marcante no Índice de Desenvolvimento Humano: a Alemanha ocupa o 7º lugar no ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Índia, o 134º.
“O traço distintivo do G20 é a heterogeneidade entre seus membros”, observa Dante Aldrighi, professor do departamento de Economia da FEA-USP. “Mais importante, alguns poucos países concentram muito poder econômico e poder político globais.” Segundo Aldrighi, essa heterogeneidade – somada às restrições econômicas, sociais e políticas impostas no âmbito nacional – explica “os pífios avanços do G20 no enfrentamento das questões globais mais urgentes”.
Para piorar, nos últimos anos, “os efeitos assimétricos da globalização, a pandemia e a guerra entre Ucrânia e Rússia estreitaram ainda mais o espaço para a busca de consenso e cooperação nas decisões relativas à governança global, com cada país buscando assegurar resiliência e segurança com o suprimento nacional de insumos estratégicos”, acrescenta.
Num futuro próximo, o fosso entre integrantes do G20 pode crescer mais por conta da disseminação da inteligência artificial (IA), que, segundo o FMI, se não for bem administrada, tem o potencial de aumentar a desigualdade de renda e a disparidade de riquezas. Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial, cita a tributação como área que poderá enfrentar turbulências e diz que o G20 terá um papel importante. “A IA vai exacerbar as possibilidades de evasão de tributações nacionais por conta do peso maior de ativos intangíveis e da dificuldade de fazer aplicar regras tributárias de acordo com territórios”, diz. Para ele, esse tipo de problema só vai ser resolvido com alguma cooperação de homogeneização de regras e de tributos entre os países.
Canuto também aponta como potencial risco para todo o planeta o resultado das eleições presidenciais americanas, marcadas para novembro. “Definitivamente, para a economia global, uma vitória de Trump não será uma boa notícia. O próprio Trump vem anunciando que no primeiro dia vai empurrar tarifas para todas as importações e isso pode constituir um baita choque no mundo.”
Em seu último relatório sobre o panorama econômico para este ano, a OCDE projeta um baixo crescimento para as economias do G20: 2,9%. O FMI estima uma expansão não muito melhor (3,1%). Quanto à inflação, FMI e OCDE têm previsões semelhantes para o grupo (6,5% e 6,6%, respectivamente). As duas instituições salientam que os preços estão caindo mais rápido do que o antecipado, embora para a OCDE ainda seja cedo demais para confirmar que a fase inflacionária iniciada em 2021 esteja terminada.
A esta altura, poucos discordam da avaliação de que o ciclo de alta de juros foi bem-sucedido e que a economia global está realizando um “pouso suave”. “Uma coisa é um país emergente subir juros sozinho por causa de um choque. Aqui a gente está falando de um movimento generalizado. O fato de ter havido uma alta sincronizada dos juros no mundo deu potência para a política monetária”, diz Zeina Latif, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e que, atualmente, está na Gibraltar Consulting.
A maioria dos bancos trabalha com um cenário em que os juros começarão a cair nos EUA e na zona do euro por volta de junho. “Se o Fed [o banco central americano] demorar um ou dois meses para começar o corte, ou se fizer mais devagar, isso é muito mais assunto do mercado financeiro do que para grandes questões de longo prazo. O grosso do desafio já foi. [No momento], a política monetária está no banco de trás”, completa Latif.