O novo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, afirmou à Folha de S.Paulo que, se fosse o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), também procuraria o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para se aconselhar antes da escolha do novo chefe do Ministério Público, mas evitou tratar o magistrado como avalista de sua indicação.
O procurador disse que não conversou com Moraes durante a campanha e o processo de escolha de seu nome, mas fez elogios a Alexandre, como se refere ao ministro, e confirmou ter relação profissional com ele, que foi membro do MP-SP. Costa se recusou, no entanto, a comentar a atuação do magistrado.
Em entrevista, o procurador reiterou a prioridade de combate à criminalidade e atenção às vítimas, mas afirmou que a instituição não passa por “mudança de rumo ideológico” nem ele –que se define como alguém firme– quer endurecer a linha de atuação do órgão.
“Nós não temos ideologia aqui, é muito longe de partido e longe de palanque. É apenas uma postura de reconhecimento das demandas que existem na sociedade, notadamente na área de segurança pública. Nada de direita, esquerda, ‘prende e arrebenta’. Deus me livre, porque olha, eu não tenho nada disso.”
O sr. buscou pacificar a instituição ao dizer, no discurso de posse, que o processo eleitoral passou e agora é hora de “administrar coletivamente”?
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa – É porque, naturalmente, aqueles candidatos que tenham chegado na frente e tinham alguma expectativa, naturalmente podem, ou seus eleitores, não entender [a nomeação]. Graças a Deus, nós não estamos vivenciando isso aqui no Ministério Público, não. A eleição desta vez foi mais pegada, não só pelo número de candidatos [cinco], mas diante da existência de um novo governador. E, quando ele recebe a lista tríplice, naturalmente ouve diversas pessoas relacionadas ao mundo jurídico, além de verificar a história de cada um dentro da instituição.
Moraes, uma das pessoas ouvidas por Tarcísio, foi avalista da sua indicação?
Costa – O ministro ficou 11 anos aqui no Ministério Público, é da nossa geração. Todos da lista ele conhecia. E, por ser ministro do Supremo, nessas escutas que o governador faz, ele, pelo que eu vi, deve ter procurado o ministro, como procurou outras pessoas. Eu procuraria [se estivesse no lugar dele].
O sr. teve uma convivência profissional com o hoje ministro no MP-SP?
Costa – Nunca trabalhei com o Alexandre processualmente. Nós o conhecíamos aqui, porque o Alexandre sempre foi um talentoso. Ele foi diretor da nossa associação e todo mundo o conhecia muito. É um respeito institucional.
E como o sr. avalia a atuação dele como ministro do Supremo e do TSE, especialmente no aspecto da relação com o Ministério Público Federal, já que houve críticas de que, em alguns processos, ele atropelou a opinião do MPF?
Costa – Vou ser muito respeitoso com você: eu respondo pelo Ministério Público estadual. Não falo pelo Ministério Público Federal. Eu, enquanto chefe do Ministério Público, não posso fazer avaliação a respeito de atuação de ministro. Só digo que é histórica a relação da instituição não só com o ministro Alexandre, como com o STJ, o STF, no respeito que nós temos quando da defesa das nossas teses institucionais. Então, eu me reservo a não tecer nenhum comentário a respeito disso. Só dizer que ele é muito respeitado no Ministério Público aqui de São Paulo. Eu o respeito demais. Se ele fez alguma referência boa para mim [ao governador], me honra muito.
Como o sr. pretende atuar para afastar a crítica histórica de que o MP, assim como o Judiciário, é leniente com o governo estadual?
Costa – É continuar atuando com isenção, utilizar a comunicação para que as ações sejam absolutamente explicáveis. Em algumas situações que aconteciam, envolvendo autoridades públicas que foram frutos de representação e acabaram arquivadas, elas são arquivadas por 11 procuradores de Justiça. Então, como é que você vai poder dizer que isso aí é falta de isenção? Mas é natural que, diante dessa relação, eu compreendo perfeitamente, e eu estou numa posição extremamente interessante, porque eu tenho relação com o ministro Alexandre de Moraes, por sermos colegas do Ministério Público, eu tenho relação com o secretário Gilberto Kassab [de quem foi secretário na prefeitura], as relações entre eles eu não sei, [assim] como eu tenho relações com outras pessoas.
Seu discurso de que é preciso dar atenção às vítimas de crimes e violações de direitos, porque o MP-SP já “pegou muito na mão do réu”, não pode ser confundido com o pensamento, muitas vezes instrumentalizado pela política, de que direitos humanos só parecem valer para bandidos?
Costa– De maneira nenhuma. Eu sou avesso esse tipo de coisa. Eu estou defendendo proteger a vítima, dando a ela a oportunidade de conhecer o seu processo, a solução do seu processo, a possibilidade de buscar um ressarcimento. Quando eu falo do réu, nós temos que ter a observância da lei, das questões relacionadas a direitos humanos. Ninguém está propondo aqui que a gente demonize a figura do réu. A gente quer é prestigiar, na segurança pública, a inteligência, a estratégia e as ações científicas. Punir o abuso, punir muito forte o abuso [policial]. Mas demonizar as ações policiais, tirar a credibilidade das forças de segurança, nós não devemos fazer.
Diante de denúncias de abusos, tortura e execuções sumárias pela PM na Operação Escudo, Tarcísio disse que não estava “nem aí”. E o sr., o que diz?
Costa – Olha, não vou falar pelo governador. Mas eu vou dizer que, de fato, talvez tenha sido uma expressão jogada assim dessa maneira, porque as pessoas estão aí, sim. Está todo mundo muito atento a esse tipo de situação. Eu só posso dizer que, embora ele tenha dito isso, o que tem acontecido não corresponde com isso. Porque as forças [de segurança] estão permanentemente aqui, conversando, se aprimorando, buscando os protocolos mais adequados.
O próprio Ministério Público chegou a apresentar denúncias contra policiais.
Costa – Apresentou. E vai apresentar naquilo que for para apresentar. Não tem problema nenhum. E vai arquivar naquilo que tiver que arquivar. O Ministério Público tem que investigar. Sei que às vezes pode parecer leniência, mas não é, muito pelo contrário. Tenho muita consciência da responsabilidade deste cargo. Não posso engrossar discurso a favor nem contra.
O sr., que é favorável às câmeras nas fardas, pretende agir em que direção nesse tema?
Costa– Não estou dizendo que seja assim, mas o debate sobre isso passa, desapercebida e erradamente, a ideia de que ter câmera é bandeira da esquerda, não ter é bandeira da direita. Costumo dizer que a câmera não é bandeira de ninguém, ela é uma ferramenta valiosa de prova, salva a vida do policial e evita a letalidade. O que eu vou conversar na Secretaria de Segurança Pública e no governo é que nós tenhamos, claramente, uma análise da capacidade orçamentária e do planejamento orçamentário para cada ano na ampliação. Não adianta você meter uma ação civil e obrigar a comprar 30 mil câmeras se não tem dinheiro para isso.
Como o sr. está acompanhando as trocas na cúpula da PM?
Costa – Por ora, estamos vendo isso como uma ação administrativa interna, que é de prerrogativa do governo. O que nós vamos sempre dialogar é, em razão dessas substituições, [perguntar] o que se pretende. Vou ter uma reunião com o secretário [Guilherme] Derrite e a cúpula da segurança e todos esses assuntos vão ser abordados.
Sua gestão dará continuidade às investigações contra o PCC, que culminaram em operações nos últimos dias?
Costa – Isso que eu vou falar não significa endurecimento, mas é intolerável que a gente continue aceitando que o crime organizado aja dessa maneira e desafie o Estado. Essas operações que aconteceram, com inteligência, estratégia, atuação em rede com o sistema de segurança e órgãos de controle, sem vazamento ou qualquer prejuízo para a população, foram dignas de muito aplauso e vou incentivá-las. O próprio crime, quando vê que o Estado está mais organizado, recua. E o Estado tem que mostrar que é mais organizado do que o crime.
O MP considera reavaliar essas operações por causa do envolvimento de agentes públicos, já que estamos em ano eleitoral?
Costa – Essas operações se tornam tão necessárias, tão esperadas, que elas começam e vão até o final, e contra quem for. Se surgirem pessoas do ambiente político, elas vão ter, como toda pessoa que está sendo investigada, todos os direitos constitucionais garantidos, mas o Ministério Público não vai ver qualidade, quantidade, nós vamos ver o sujeito de investigação. Temos que ter uma atuação firme, mas sem destruir biografia de ninguém, sem interferir em processo eleitoral. Na divulgação, o promotor não tem que adjetivar. Ele tem que mencionar [os fatos] de maneira cronológica, informativa e jornalística. “Ah, mas um é candidato a vereador, é ligado ao PT, é ligado a um monte de coisas.” Isso não nos interessa.
As eleições municipais estão na agenda do MP-SP de alguma forma?
Costa – Eu estou muito preocupado com o acesso do crime organizado a cargos públicos. Isso é uma preocupação de todo mundo, porque eles já estão obtendo acesso, ainda que de maneira periférica, a estruturas de poder que permitem manusear uma concorrência, a adjudicação de um serviço de uma obra. Nós temos que nos antecipar e evitar que eles cheguem lá [nos cargos eletivos]. A inteligência tem que, inclusive em uma ação conjunta com o Tribunal Regional Eleitoral, fazer uma análise muito forte a respeito da habilitação desse candidato. A gente tem que subir alguns degraus de acompanhamento e de verificação. É um trabalho geral, mas um alerta para que nós fiquemos atentos a esses filtros e controles.
O sr., que diz dialogar bem com todas as “vertentes políticas” do MP, pretende lidar de que forma com a politização dentro da instituição e o risco ao seu papel legal?
Costa – Nós somos um reflexo do Brasil. Aqui dentro somos homens e mulheres com uma missão constitucional, mas ao mesmo tempo cada um traz os seus valores. E, evidentemente, isso ficou mais exacerbado por conta de todo o processo nacional recente e que acabou contaminando a sociedade inteira. E, com as redes sociais, acaba também as pessoas querendo dar as suas opiniões. O Ministério Público não pode ser permeável aos debates ideológicos. Nós temos que ficar acima de partido e muito longe de palanque, porque isso fere a nossa unidade institucional. O papel do chefe do Ministério Público é baixar a bola, entender os extremos, mas não permitir que a instituição siga neles. Aqui nós temos que ter uma visão mais elevada, que é o que a sociedade espera de nós.
Ideologicamente, como o sr. se define?
Costa – Eu nunca pensei muito direito, mas eu gosto meio de centro, sabe? Porque eu tenho excesso de [tendência a] privilegiar diálogo que acaba me deixando nessa posição. Neste momento histórico, quem eu quero nesta cadeira? É o arroubo, o populismo? Ou é o equilíbrio, a serenidade, a firmeza? Eu prefiro ver a divergência como algo natural, que a partir dela você vai tentar construir alguma coisa.
Raio-X | Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, 63
No Ministério Público de São Paulo há 38 anos, tomou posse como procurador-geral de Justiça na terça-feira (16). Até então, atuava na Procuradoria de Habeas Corpus. Foi duas vezes integrante do Órgão Especial do Colégio de Procuradores, subprocurador-geral de Justiça de planejamento institucional e diretor da Escola Superior do MP-SP. Também dirigiu a Associação Paulista do Ministério Público. Foi o terceiro colocado na lista tríplice enviada ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 731 votos
Votos dos integrantes da lista tríplice
José Carlos Cosenzo – 1.004
Antonio Carlos da Ponte – 987
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa – 731