Macron poderá explicar ao Brasil se quer proteger o meio ambiente ou os produtores franceses | Humberto Saccomandi

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Durante a sua visita ao Brasil, a partir de amanhã, o presidente francês, Emmanuel Macron, terá a chance de explicar ao governo brasileiro se sua intenção é proteger o meio ambiente ou proteger as empresas e os agricultores franceses. O futuro do acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul depende dessa definição.

Autoridades europeias disseram ao Valor na semana passada que consideram o acordo UE-Mercosul fechado, após a renegociação de alguns pontos, e equilibrado. Macron, porém, continua repetindo a ameaça de bloquear o acordo ao negar a aprovação da França.

Macron se encontrou com Lula durante a COP de Dubai em novembro de 2023 — Foto: Ricardo Stuckert/ Presidência da República

A UE vem implementando uma série de medidas que, com o objetivo de promover a descarbonização da economia e combater o desmatamento, já trarão alguma proteção aos produtores europeus.

Uma delas é o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM, mecanismo de ajuste de carbono na fronteira), popularmente conhecido que taxa de carbono, mas que as autoridades europeias insistem que não é uma taxa ou imposto propriamente dito. O CBAM visa equalizar o custo que as empresas europeias têm para poder emitir carbono com o custo de empresas em outros países. Se o produtor no Brasil, por exemplo, pagar o mesmo ou mais que o produtor europeu para poder emitir carbono ao produzir aço, nada será cobrado. Mas se pagar menos, a diferença será cobrada quando o aço entrar na UE. Como a Europa tem o mais avançado e mais caro sistema de emissões do mundo, os produtores europeus acabam pagando mais pelo direito de emitir carbono. Assim, o CBAM incidirá sobre a maior parte das importações de cimento, ferro, aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio (produtos intensivos em energia).

A avaliação da Comissão Europeia (o órgão executivo da UE), é que o CBAM vai onerar pouco mais de 5% das exportações brasileiras para a UE, que somaram US$ 46,3 bilhões no ano passado. Os países mais atingidos serão China, Ucrânia e Turquia.

Por enquanto, as empresas são obrigadas a fazer e apresentar todo o levantamento de emissões e custo valor do carbono (uma burocracia que tem um custo), mas a cobrança do ajuste começará mesmo em 2026 e será gradual.

O objetivo declarado é ajudar a descarbonizar a economia mundial e criar justiça no comércio internacional, ao evitar que as empresas desloquem produção para países que não cobram pela emissão de carbono. A UE alega que o CBAM é compatível com as regras da OMC, pois não discrimina entre empresas europeias e estrangeiras.

Mas há uma série de críticas ao CBAM. Uma analogia possível seria se o Brasil decidisse que os carros vendidos no país tivessem de ser produzidas com ao menos 40% de energia limpa e renovável. Isso certamente seria ambientalmente correto, não seria discriminatório, mas na prática nenhum carro europeu entraria mais no Brasil, pois nenhum país da Europa atenderia esse requisito, que pode ser facilmente cumprida pelas empresas que produzem no Brasil.

Outro mecanismo é a nova regulação europeia contra o desmatamento, que vai banir a partir de 2025 a entrada no mercado da UE de sete commodities (soja, carne, óleo de palma, madeira, cacau, café e borracha) produzidas em áreas desmatadas a partir de 2020.

Segundo autoridades europeias, o objetivo da medida é que o consumo europeu não estimule ainda mais o desmatamento. Novamente, há dúvidas sobre o impacto ambiental da medida. Países e empresas podem facilmente deslocar a produção voltada à Europa para áreas já desmatadas, enquanto novas áreas de desmatamento atendem os demais mercados globais. Haveria assim apenas um desvio de comércio.

Essas medidas valerão para qualquer país, independentemente de ele ter ou não um acordo de livre comércio com a UE.

Macron, porém, tem ido além dessas novas regulações e vem defendendo que, para um produto importado entrar na UE, o produtor no exterior tem de estar sujeito às mesmas regulações exigidas dos produtores europeus.

Isso vem sendo chamado de cláusula de espelhamento. Isto é, as regras no exterior têm de espelhas as regras ambientais aplicadas pela UE, que estão entre as mais rígidas do mundo.

Isso é altamente polêmico, pois muito países não dispõe da tecnologia e nem do capital para os investimentos necessários. Na prática, o princípio do espelhamento dificultaria enormemente a entrada de produtos importados na UE e inviabilizaria novos acordos comerciais, caso a França realmente insista nesse tipo de cláusula.

Um exemplo disso ocorreu neste mês, com a nova regulação de plástico na UE, que deve ser aprovada em abril. A medida visa reduzir o uso de plásticos nas embalagens e aumentar o uso de plástico reciclado. A partir de 2030, qualquer embalagem de plástico na UE terá de conter ao menos 10% de plástico reciclado (30% no caso de garrafas). Esse percentual vai aumentando com o tempo.

A França quer que embalagens de produtos importados também sigam essas regras, o que poderia inviabilizar parte dessa importação, pois esses plásticos são pouco produzidos fora da Europa. A própria Comissão Europeia diz que essa exigência prejudicaria países pobres.

Macron (e outros governos da UE) estão sob intensa pressão protecionista dos agricultores europeus, que há meses se mobilizam com protestos em vários países e capitais do continente. Os protestos obrigaram a França e a UE a recuar de medidas ambientais aprovadas e que onerariam ainda mais o agronegócio na região.

Além disso, haverá em junho, em toda a UE, eleições para o Parlamento Europeu. Partidos populistas de direita, que abraçaram a causa dos agricultores, devem crescer fortemente. E eles vêm ditando uma agenda mais protecionista na Europa e reduzindo o apetite por mais abertura comercial.

Macron terá de deixar claro se deseja compatibilizar a agenda comercial com a ambiental, o que não é fácil, mas é possível, ou se sua prioridade é usar a agenda ambiental para proteger os produtores franceses.

No primeiro caso, poderá haver uma janela de oportunidade de avançar com a aprovação do acordo UE-Mercosul após as eleições europeias, desde que o crescimento da direita nacionalista (que se opõe a mais abertura comercial) não seja maior do que as pesquisas hoje indicam. Segundo autoridades europeias, o acordo é prioridade para a atual Comissão, presidida pela alemã Ursula von der Leyen, que é candidata à reeleição.

No segundo caso, o acordo está condenado a uma nova temporada na geladeira, provavelmente longa, após 25 anos de negociações. Os dois lados sairiam perdendo.

Fonte: Externa

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