Esta entrevista deveria ter sido realizada na manhã da última quinta-feira (28). Mas, repentinamente, Corina Yoris, nome que a oposição na Venezuela almeja inscrever para as eleições presidenciais de julho, ficou sem luz durante todo aquele dia.
Com recém-completados 80 anos, Yoris foi apontada pela coalizão de partidos opositores venezuelanos como candidata à Presidência. Mas, no último dia 25, viu seu debute na política institucional frustrado ao não conseguir inscrever seu nome na plataforma eleitoral.
O feito acrescentou mais uma camada de incerteza às eleições, já marcadas pela inabilitação política da popular ex-deputada María Corina Machado, a original vencedora das primárias opositoras.
Para não perder a vaga, a coalizão opositora inscreveu o ex-diplomata Edmundo González no lugar de Yoris. No entanto, reiteradamente avisa que o plano é substituir seu nome pelo dela até o próximo dia 20, algo possível segundo o regramento eleitoral local.
Graduada em filosofia e letras e doutora em história, Corina Yoris por décadas tem atuado como professora universitária. Aposentada, em breve voltará à sala de aula para lecionar em um doutorado em direito.
Por videochamada de sua casa na capital venezuelana, ela descreve à “Folha” suas convicções políticas e econômicas, comenta o papel do governo Lula (PT) e a situação atual de seu país.
Folha – O governo Lula criticou a impossibilidade da sua candidatura. Isso após várias declarações polêmicas do presidente em relação à Venezuela. Como a senhora leu essas declarações?
Corina Yoris – As declarações recentes de Lula dão apoio à restituição da democracia no país. Ajudam o regime a dar espaço para a possibilidade de eleições livres. E acho que as respostas dadas [por Caracas] são desrespeitosas em termos de linguagem diplomática internacional. [A diplomacia venezuelana chamou as críticas feitas em nota do Itamaraty de “cinzentas e intervencionistas” e disse que elas pareciam ter sido “ditadas pelos EUA”].
Folha – O que mais acha que o Brasil deve fazer?
Corina Yoris – Acredito que manter essa atitude é suficiente. Algo muito importante é ter cuidado para não ser acusado de pedir interferências. E uma manifestação desse tipo não é interferência, é atuação para dizer a um governo para não se desviar de certos canais e respeitar certos acordos.
Folha – O governador de Zulia, Manuel Rosales, líder de um dos partidos, candidatou-se de última hora e foi criticado por María Corina. Houve uma fragmentação da coalizão opositora?
Corina Yoris – No último minuto da segunda-feira passada [25], prazo para as inscrições dos candidatos, ainda não havíamos conseguido inscrever meu nome porque o sistema impedia. Mas então, milagrosamente, o sistema se abriu e puderam inscrever Manuel Rosales, sem que isso tivesse sido aprovado por toda a unidade. Tenho apreço pelo governador Rosales, mas ele age unilateralmente, não em nome da unidade.
O mesmo acontece com Edmundo González, que inscrevemos para não perder a vaga, mas que também não é o resultado do consenso. Não me arrisco a dizer que há uma fragmentação ou uma ruptura por ora, porque ainda temos até o dia 20 de abril em que podem ser feitas substituições. A candidata da unidade sou eu. Fui eleita por unanimidade pela Plataforma Unidade Democrática [PUD], isso é incontestável.
Folha – Alguma parte do Acordo de Barbados, firmado no país homônimo entre Maduro e uma parcela da oposição, segue viva?
Corina Yoris – Nós o cumprimos da primeira à última letra. São eles [o regime] que têm de voltar e cumprir o que foi dito e realizar eleições livres, transparentes, críveis. Deixar que os candidatos que foram eleitos nas primárias do ano passado se inscrevam. María Corina obteve 92,3% dos votos, um fenômeno nunca visto, e então ela delegou a mim essa candidatura, já que está ilegal e inconstitucionalmente impedida.
Folha – Como começou o envolvimento da sra. na política? Imaginava-se nesse papel?
Corina Yoris – Nunca imaginei. Tenho uma formação muito sólida em política e até dei aulas na área de filosofia política, então minha incursão na política pode ser chamada de teórica. No entanto, tenho participado de algumas coisas talvez muito pontuais e de menor publicidade, como quando, nas eleições de 1998, formamos na universidade um grupo de observadores para monitorar as eleições.
O que posso dizer é que nunca tive atuação partidária. Mas minha atuação no mundo da cultura e da academia levou meu nome para a Comissão Nacional de Primárias, que organizou as eleições primárias de 22 de outubro passado. Quando fui nomeada, estive em contato direto com todos os candidatos, mas principalmente com María Corina. Ela queria que eu me envolvesse mais ativamente em todo o movimento de apoio à sua candidatura.
Depois, um dia ela me ligou para conversar e, com sua típica personalidade, fez o pedido de uma vez só, e eu respondi com um sim imediato, quase sem pensar nas consequências que tudo isso traz.
Folha – Em quais termos a sra. se define politicamente?
Corina Yoris – Sou uma democrata militante, absolutamente a favor da democracia. Não me identifico com as divisões de esquerda e direita, acredito que isso está completamente obsoleto, pois se você as analisa, percebe que algumas características da direita também estão presentes na esquerda e que não conseguem se distinguir. Acredito na política com “p” maiúsculo, não na politicagem.
Folha – Há muitos governos que se dizem de esquerda na região e são vistos como mais próximos uns dos outros. Como vê esse tipo de aliança?
Corina Yoris – Esse é um dos grandes problemas que a América Latina enfrenta, essa contraposição de ideias. Com essa história do “socialismo do século 21”, estamos alguns passos atrás dos avanços de todos os tipos.
Como explicar que a Venezuela, que chegou a fornecer eletricidade para outros países, como Colômbia e Brasil, esteja enfrentando a crise elétrica que temos no país? Ou como é possível que, tendo uma região como a Amazônia, tenhamos os problemas de água que temos? Um dos grandes dramas que enfrentamos, para não dizer o maior drama, é a falha nos serviços públicos.
Folha – E na agenda econômica, como a sra. se descreve? Quais os planos nessa área, cujo fracasso só tem ampliado a diáspora local?
Corina Yoris – Acredito no livre mercado. Temos que nos adaptar aos tempos em que estamos vivendo e ter em mente que a Venezuela é um país com grandes riquezas para comercializar, não nos trancar em uma propriedade do Estado que vimos as consequências que nos trouxe.
Como as pessoas não iriam embora se têm uma pensão equivalente a US$ 3,50? Acaba se criando uma população que está sujeita à maior quantidade de privações possível e que só está preocupada em como conseguir comida, como sobreviver, tendo anulada completamente sua capacidade de se preocupar com a política.
Folha – Como a ditadura afetou a senhora a nível pessoal?
Corina Yoris – Como professora, tenho um salário absolutamente irrisório. Além do aspecto econômico, há o da segurança. Para mim, mudou muito. Eu podia sair da universidade às 21h, 22h. Agora, não me atrevo a sair depois das 18h. Isso faz com que você não vá a eventos culturais, não vá ao cinema, ao teatro. Aqueles que se atrevem a ir são os mais jovens, que têm mais ânimo para se arriscar, mas nesse sentido você acaba sendo um eremita ou levando uma vida muito restrita às amizades mais próximas nos lugares mais próximos, porque não tem como desenvolver outras partes de sua vida.
Nossa vida foi se reduzindo, as possibilidades foram se reduzindo, e essa é uma das razões pelas quais estou envolvida nisso. Porque se desfrutei de um país onde pude não apenas fazer o que um jovem quer fazer e se divertir, mas também tive acesso aos estudos que tive e fiz tudo o que quis, estou retribuindo à Venezuela o que a Venezuela me deu. Isso está me exigindo essa participação, e eu a dou ao país com todo o prazer, embora tenha um pouco de medo.
Folha – A senhora teme por sua segurança?
Corina Yoris – Sim, mas eu lido com isso. Eu não sou medrosa, mas evidentemente se sabe que se está em perigo. Na Venezuela todos estamos em perigo, não é uma pessoa, todos estamos em perigo, porque a criminalidade está descontrolada.
Folha – Acha que vão conseguir inscrever seu nome?
Corina Yoris – Eu não me resigno. Não joguei a toalha e acredito que somos muitos os que não jogaram a toalha.
Folha – A idade da sra. tem sido muito comentada.
Corina Yoris – Eles sabem minha idade porque disseram, não porque eu disse. Me parecem comentários desqualificadores.
Há uma anedota de Clint Eastwood da qual vou me apropriar. Ele tem 93 anos e está dirigindo um filme que requer um esforço enorme. Um jornalista perguntou de onde ele tirava tanta energia e ele respondeu: eu não deixo o velho entrar na minha casa.
A desqualificação por ser mulher também remete a estágios que eu pensava superados no país e não estão. Veja a lista dos candidatos aceitos. Todos são homens. Ou seja: voltamos à mesma configuração das coisas. Como se a política fosse apenas espaço para eles.
Folha – A senhora ainda vê chances de eleições reais?
Corina Yoris – Acredito que sim, é possível. Mas estão violando meus direitos políticos. Estão violando os direitos políticos dos partidos que me indicaram. E estão violando os direitos de milhões de venezuelanos que votaram em María Corina e a apoiaram em sua delegação de candidatura. O regime precisa repensar se quer que suas eleições sejam consideradas críveis no resto do continente.
Raio-x | Corina Yoris, 80
Nascida em Caracas, é graduada em filosofia e letras e doutora em história. Professora de lógica e teoria argumentativa em várias universidades de seu país e do exterior, ganhou recentemente uma vaga na Academia Venezuela da Língua. Ajudou a organizar as primárias opositoras em 2022 e, agora, é o nome que a Plataforma Unidade Democrática [PUD] tenta inscrever para as eleições.