Disfunção erétil: novo implante com controle remoto é testado no Brasil; veja como funciona

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por O Diretório
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Médicos brasileiros testam um implante de neuroestimulação (caracterizado por dar pequenos eletrochoques em um nervo), que responde a controle remoto operado pelo próprio paciente, no tratamento de disfunção erétil, que é a incapacidade de ter e manter uma ereção durante relação sexual. Por aqui, os testes são feitos por professores da Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), no Hospital Mário Covas, em pessoas com lesão medular – cadeirantes –, mas, na Austrália, o mesmo dispositivo é testado em quem passa por uma remoção da próstata (prostatectomia).

Segundo a Comphya, spin-off da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, criadora e detentora dos direitos do dispositivo, o CaverSTIM, a ideia é atender a uma gama de pacientes que não respondem ao tratamento farmacológico – com uso do remédio sildenafil, popularmente conhecido como Viagra –, mais especificamente aqueles com distúrbios neurogênicos (problemas nervosos). Na população geral, de acordo com estudo da empresa, ao menos 30% dos pacientes não respondem bem ao tratamento medicamentoso, considerado padrão-ouro para tratar a disfunção erétil.

Atualmente, os testes, embora promissores, ainda estão no que é chamada de “fase 2″ dos estudos clínicos (em pessoas). Nesta etapa, já há sete implantados na Austrália e cinco no Brasil. Isso significa que ainda há um longo caminho até que se torne uma opção viável de tratamento.

CaverSTIM dispositivo de neuroestimulação da Comphya para tratar disfunção erétil Foto: Comphya/Divulgação

Até agora os resultados se mostram promissores, diz Eduardo Miranda, supervisor da Disciplina de Medicina Sexual da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), que não tem qualquer envolvimento com a Comphya ou com o estudo brasileiro. Mas, destaca, é um “estudo muito preliminar”.

Ele reforça que muitas ideias promissoras nessa fase não vingaram. Segundo ele, o que dá uma esperança maior é de que a neuroestimulação já tem algumas aplicações exitosas na urologia, como no tratamento de bexiga neurogênica (falta de controle do órgão devido a um problema nervoso).

A empresa tem planos de, nos próximos meses, expandir o estudo brasileiro para pacientes que passam por prostatectomia, como na Austrália. Eles também estão em negociação para começar testes nos Estados Unidos junto a pesquisadores da renomada Johns Hopkins University. De maneira geral, a empresa espera que os resultados futuros ajudem a extrapolar o uso para outros pacientes neurogênicos, como indivíduos com diabetes, e outros grupos que não respondem à medicação oral.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que a saúde sexual é fundamental para a saúde geral e o bem-estar dos indivíduos. Alguns estudos, como este, estimam que a prevalência da disfunção erétil, de casos leves até graves, atinge quase 60% em pessoas com mais de 30 anos. Com a tendência de envelhecimento populacional, os especialistas avaliam que teremos um aumento no número de pessoas que enfrentam o quadro e necessitam de tratamento.

O dispositivo

Para entender a engenharia do novo dispositivo, precisamos dar alguns passos para trás. Comecemos entendendo como funciona uma ereção. O urologista Sidney Glina, professor da FMABC e um dos coordenadores do estudo brasileiro, resume de forma simples.

“A função erétil depende de vários componentes: psicológico, vascular, hormonal e neurológico. O estímulo sai do cérebro, vai pela medula e chega em um local que fica do lado da próstata, chamado de plexo, e, finalmente, no nervo cavernoso. O nervo cavernoso, em última análise, é o que traz a ordem do cérebro para você ter uma ereção.”

Todos os devices do CaverSTIM Foto: Comphya/Divulgação

O CaverSTIM nasce de estudos que datam da década de 1980 e mostraram que a eletroestimulação do nervo cavernoso pode induzir e manter a ereção peniana em animais, como ratos e macacos. Nos humanos, no entanto, dispositivos semelhantes a esse, mas com outros formatos, mostraram baixa eficácia.

Por quê? Na avaliação dos pesquisadores da Comphya, isso tem relação com a dificuldade de “encontrar” o nervo cavernoso do ser humano. Isso porque, quando falamos de um nervo, pensamos talvez em um fio puxado de um carretel, por exemplo — é o caso do nervo cavernoso dos animais citados.

Agora, no ser humano, a história é outra. Como Glina explica, o nervo fica em um plexo. Que, em palavras simples, é um emaranhado de vasos e artérias, como uma esponja de aço.

“O nervo cavernoso não é só um nervo, como se fosse uma fibra óptica, é como se fosse uma malha, que é difusa”, descreve Miranda.

Por isso, a proposta do CaverSTIM é cobrir toda a área do plexo, no caso de pacientes que passam por remoção de próstata, com patches (uma espécie de adesivo) que têm vários eletrodos. Na parte subcutânea do abdômen fica um aparelho de eletroestimulação, que pode precisa de recarga a cada três meses, segundo a empresa (mas a bateria pode durar mesmo) — não é necessário remoção para recarga, é preciso só aproximar outro patch do aparelho, como alguns carregadores sem fio para celular.

O médico tem um switch no qual ajuda a escolher qual par de eletrodos é o adequado para ajudar o paciente a ter uma ereção. E o paciente tem um controle remoto para ligar e desligar o implante.

Remoção de próstata

A relação da prostatectomia radical, a remoção de próstata — tratamento cirúrgico para câncer de próstata, por exemplo —, com a saúde sexual é um grande calcanhar de Aquiles para a urologia.

Embora a técnica tenha evoluído muito ao longo dos anos, o plexo, que fica nas paredes (ou cápsula) da próstata, dificilmente passa intacto. “O nervo é muito sensível. Mesmo que você não o corte, só de mexer, cutucar, queimar ou tracionar, gera algum tipo de lesão”, explica Miranda.

Uma grande parcela desses pacientes não vai responder aos remédios orais. Isso porque a mecânica dos medicamentos é ajudar o nervo cavernoso a liberar óxido nítrico, que promove a dilatação dos vasos, e, consequentemente, a ereção e sua manutenção. Mas, no caso desses indivíduos, o nervo está machucado. “Se o seu nervo não tá funcionando, você não gera óxido nítrico”, fala Miranda.

Uma solução de curto prazo, ou seja, para que o paciente consiga ter uma relação sexual, são injeções. Mas, por serem locais, pode doer e gerar hematomas.

Essa lesão pode ser parcial e temporária. Isso significa que, após alguns meses ou anos, alguns pacientes podem retomar a função erétil. No entanto, para isso, é preciso focar nas estratégias de reabilitação, muito voltadas à saúde do pênis.

“Porque se você entender que a lesão no nervo é temporária, em tese, poderia falar ao paciente: ‘fique tranquilo que daqui dois anos vai voltar ao normal’. O nervo pode de fato voltar ao seu normal, mas, muitas vezes, o músculo efetor, que fica dentro do pênis, pode ir ‘atrofiando’”, fala Miranda. O termo técnico correto, fala, é fibrose.

Para ter uma ideia, é normal que pessoas com pênis passem 20% do tempo dormindo em ereção. Isso ajuda a manter a homeostase do órgão com a produção das substâncias responsáveis pela ereção.

Devido principalmente a essa fibrose, alguns pacientes que passam pela remoção da próstata optam por, no futuro, optam por um implante peniano, uma abordagem invasiva.

Prova de conceito

A prova de conceito do CaverSTIM foi feita especificamente com pacientes que passariam por prostatectomia. Duas dezenas de pacientes do Hospital Laïkon de Atenas, na Grécia, com idades entre 49 e 75 anos, foram recrutados.

Neles, foi implantado um dispositivo temporário — todo o procedimento de avaliação durou, no máximo, 20 minutos. Eles testaram o funcionamento antes e depois da cirurgia.

“A estimulação elétrica produziu resposta peniana imediata em todos os casos, quando testada antes ou após a remoção da próstata. Um claro ingurgitamento visual peniano foi observado em 75% dos casos, enquanto 25% apresentaram tumescência peniana de mínima a moderada”, escreveram os pesquisadores.

Miranda, não envolvido nos estudos e sem ligação da Comphya, observa que, às vezes, a lesão, que começa na cirurgia, demora alguns meses para se estabelecer. “Tanto que alguns pacientes fazem a cirurgia, tem uma ereção ao final, todo mundo fica feliz, mas isso não quer dizer que ele vai manter essa ereção ao longo dos meses.”

Ele também destaca que seria importante que as próximas fases do estudo mostrassem resultados referentes à reabilitação, porque só a ereção no curto prazo não resolve todo o problema.

Em ratos, os estudos da Comphya, como este, mostraram que o tratamento com eletroestimulação de baixa intensidade após a lesão do nervo cavernoso não apenas melhorou a função erétil dos animais, como teve efeito protetor sobre os tecidos penianos e nervosos. Novamente, é preciso salientar que, no ser humano, isso é muito mais complexo.

Glina e o brasileiro Rodrigo Fraga-Silva, doutor em farmacologia e CEO da Comphya, agora, com implantes crônicos — não temporários —, já há vários meses implantados, percebem que os pacientes mantêm a ereção noturna. “Tem uma pequena queda no início, mas depois volta 100%, diz Fraga-Silva. Esses dados ainda precisam ser publicados em revista científica e revisados por pares.

Brasil

Por aqui, os testes focam em pacientes com lesão medular. Embora eles também sejam considerados “neurogênicos”, a história é outra.

Os patches com eletrodos ficam em volta da próstata, e é necessária uma cirurgia específica para implantação — no caso da prostatectomia, os médicos aproveitam os acessos cirúrgicos da remoção da próstata. Usa-se um método chamado de laparoscopia, que é considerado minimamente invasivo.

Muitos desses pacientes têm ereção reflexa, ou seja, involuntária, e que não tem a ver com sensibilidade e não pode ser controlada por eles. Esses indivíduos até respondem bem aos remédios orais, mas, novamente, sem muito controle. A ideia do implante é ajudar nisso.

“Nós já implantamos em cinco pacientes e temos resultados bastante bons em quatro deles”, fala Glina.

“É um estudo em evolução. A ideia é que (a função erétil) vá melhorando lentamente. Estamos acompanhando pacientes há seis meses, e (a função erétil) está melhor do que logo no pós-operatório.”

Fonte: Externa

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