Três amigos “de balada” — Thiago Rodrigues, Antonio Carlos Figueira de Mello e Lula Gouveia — comandam há 22 anos um dos escritórios de arquitetura mais criativos do Brasil: o estúdio Superlimão, que tem como clientes incorporadoras, multinacionais do varejo e ‘big techs’ globais. No começo, o desafio era criar produtos usáveis pelas pessoas: cadeiras, mesas, sofás. Depois, levar essa visão a interiores e áreas comuns dos projetos imobiliários. Agora, eles começam a repensar espaços urbanos degradados em São Paulo, sob a mesma ótica: a do respeito à escala humana.
Thiago Rodrigues — Considerar a escala humana nos ambientes é fundamental, porque é o que as pessoas percebem no final: o acesso ao prédio ou sentar-se no salão de festas. Atualizar a usabilidade desses espaços é importante para que sejam funcionais, além de bonitos.
Antonio Figueira de Mello — É importante entender que, se não priorizam as pessoas, os projetos ficam sem alma. Por trás de toda marca, existem pessoas. E, sem elas, tudo fica meio vazio e tende a não dar certo. É uma busca pelo equilíbrio entre a visão de fora para dentro do empreendimento, compreendendo onde ele está inserido na cidade; e de dentro para fora, pensando nas pessoas que usarão aquele prédio.
Como surgiu o reaproveitamento de materiais, uma marca do trabalho de vocês?
Antonio — Fizemos a reforma de uma casa centenária na capital paulista em 2008 e reaproveitamos quase todo o material antigo. Anos depois, ganhamos um prêmio na Áustria por este projeto, pelo reúso dos tijolos.
Desde então, usamos o entulho gerado na reforma de um escritório para pavimentar o novo piso, telhas descartadas no composto de revestimento externo, plástico de garrafa PET e madeira de reúso em fachadas de lojas. Aprimoramos essa visão, compreendendo o seu valor atualmente.
Vocês acabam de entregar o projeto Lapi, que ressignificou o espaço urbano na capital. Faltam arquitetos propondo melhorias na cidade?
Antonio — Faltam arquitetos e investidores para identificar oportunidades em outras áreas com a mesma demanda, próximas a fluxo de carros e pessoas, mas que estão largadas.
Como foi a experiência de construir o Lapi?
Thiago — Esse é um projeto que reuniu várias camadas do “know how” que adquirimos com o tempo, e a complexidade de identificar o público que usaria o espaço, que fica em Pinheiros, um dos bairros mais antigos de São Paulo, que tem imóveis com até cem anos de construção, configurados para comércio e galpões. A área pertence à Jacarandá Capital, com masterplan da Spol Architects. A proposta inicial era de reaproveitar todos os imóveis, mas muitos não tinham condições estruturais estáveis para reforma e foram demolidos. Ali, valorizamos mais os espaços abertos, com praças internas e vitrines de lojas voltadas para dentro, aproveitando o alto potencial de circulação de pessoas pelas fruições entre as ruas. No final, foi emocionante ver a transformação daquele lugar que era tão degradado e deixar algo novo para a cidade.
A ideia é seguir desenvolvendo projetos como este?
Thiago — Aprendemos bastante com o Lapi e queremos levar esse conhecimento a outros locais da cidade. Fechamos proposta com a associação de lojistas da Alameda Gabriel Monteiro da Silva para repaginar toda a via, reforçando a identidade de design do endereço e temos também um projeto para reorganizar questões pontuais no Largo da Batata, como iluminação, lixeiras e troca de piso. Agora, vamos nos reunir com representantes do poder público para entender o que podemos ou não fazer e entender os motivos.
Há um debate intenso na cidade sobre como a verticalização recente tem transformado a identidade dos bairros. O que pensam sobre isso?
Thiago — Muitas vezes, falta bom senso e equilíbrio nas pessoas que estão envolvidas nas decisões sobre onde verticalizar. Há muitas ideias boas no Plano Diretor que foram deturpadas ou não se confirmaram no final. Em Pinheiros, por exemplo, o que sobrou de terreno fica ao lado das vilas, somente.
Antonio — Por outro lado, é delicado falar de gentrificação. O Largo da Batata hoje está bombando de gente. Então, a questão não foi tirar as pessoas, mas também trazer mais segurança, limpeza e zeladoria. Acho que o princípio dessa relação é o respeito à dinâmica de cada lugar.
O portfólio da Superlimão tem projetos corporativos de organizações importantes. Quais os desafios nesse tipo de ambiente?
Thiago — O desafio hoje é conseguir dimensionar de maneira mais assertiva espaços que sempre existiram nos escritórios: salas de reunião, estações de trabalho, espaços colaborativos e refeitório. As proporções mudaram bastante depois da pandemia.
Antonio — A demanda por salas de reunião e espaços colaborativos, por exemplo, aumentou muito nos últimos anos. Nesses ambientes, é preciso considerar níveis de concentração e acústica diferentes, questões luminotécnicas e de materialidade, buscando fomentar a colaboração entre as pessoas.
Quais outras demandas têm sido recorrentes nos projetos corporativos?
Thiago — A acústica dos ambientes, protocolos de segurança da informação cada vez mais rígidos, iluminação das salas de reunião, mesas para conferência digital que coloquem os participantes no mesmo nível de percepção e de interação. O tema biofilia também tem sido um dos pré-requisitos, seja com vegetação de verdade ou nos materiais naturais utilizados, além de acessibilidade e respeito à diversidade. No final, as pessoas devem estar felizes dentro desses espaços, porque o bem-estar proporciona mais eficiência no trabalho. As grandes empresas globais medem isso diariamente.