Como é um cérebro solitário? Entenda a relação com doenças neurodegenerativas, como Alzheimer

Mariana Lopes
por Mariana Lopes
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Todo mundo se sente solitário de vez em quando – depois de se mudar para uma escola nova ou uma outra cidade, quando um filho vai estudar fora ou com a perda da pessoa amada.

Mas, para algumas pessoas, a solidão não é apenas transitória: é crônica. Ela se torna “um traço de personalidade, algo bem persistente”, diz Ellen Lee, professora associada de psiquiatria da Universidade da Califórnia, em San Diego. Esses indivíduos parecem ter “essa emoção como algo constante, que molda seu comportamento”.

Cada vez mais pesquisas indicam que esse tipo de solidão arraigada é prejudicial à saúde e pode até modificar o cérebro, aumentando o risco de doenças neurodegenerativas. Aqui está o que os especialistas sabem sobre como a solidão crônica afeta o cérebro e algumas estratégias para lidar com o problema.

Solidão crônica interfere no funcionamento do cérebro, aumentando o risco de doenças. Foto: blacksalmon/Adobe Stock

Como a solidão muda o cérebro?

Os seres humanos evoluíram para se tornarem criaturas sociais, provavelmente porque, para nossos antepassados, ficar sozinho era perigoso e reduzia as chances de sobrevivência. Os especialistas acreditam que a solidão pode ter surgido como um tipo de sinal de estresse que nos leva a buscar companhia.

No caso da solidão crônica, essa reação de estresse fica estagnada e se torna desvantajosa – algo semelhante à maneira pela qual a ansiedade pode transformar uma resposta útil ao medo em um transtorno mental desadaptativo.

“Episódios de solidão menores e transitórios realmente motivam as pessoas a procurar conexões sociais”, conta Anna Finley, pesquisadora de pós-doutorado no Instituto sobre Envelhecimento da Universidade de Wisconsin-Madison. “Mas, na solidão crônica, o tiro parece sair pela culatra”, porque as pessoas ficam especialmente atentas a ameaças sociais ou sinais de exclusão, o que pode fazer da interação com os outros uma experiência assustadora ou desagradável.

Pesquisas demonstraram que as pessoas solitárias são hipersensíveis a palavras sociais negativas, como “rejeitar” ou “não gostar”, e a rostos que expressam emoções negativas. Além disso, elas têm uma resposta embotada a imagens de desconhecidos em situações sociais agradáveis, o que sugere que até mesmo os encontros positivos podem ser menos gratificantes para elas. No cérebro, a solidão crônica está associada a alterações em áreas importantes para a cognição social, a autoconsciência e o processamento de emoções.

Como um sentimento subjetivo pode ter um efeito tão profundo sobre a estrutura e as funções do cérebro? Os cientistas não sabem ao certo, mas acreditam que, quando a solidão aciona a reação de estresse, ela também ativa o sistema imunológico, aumentando os níveis de algumas substâncias químicas inflamatórias. Quando perduram por períodos mais longos, o estresse e a inflamação podem ser prejudiciais à saúde do cérebro, danificando os neurônios e as conexões entre eles.

Como a solidão afeta a saúde do cérebro a longo prazo?

Faz anos que os cientistas sabem da ligação entre a solidão e a doença de Alzheimer e outros tipos de demência. Um estudo publicado no final do ano passado sugeriu que a solidão também está associada à doença de Parkinson.

“Mesmo níveis baixos de solidão aumentam o risco, e níveis mais elevados estão associados a um risco mais alto” de demência, afirma Nancy Donovan, diretora da divisão de psiquiatria geriátrica do Brigham and Women’s Hospital.

Donovan demonstrou que as pessoas com pontuações mais elevadas em uma medida de solidão têm níveis mais elevados das proteínas amiloide e tau – duas das características da doença de Alzheimer – no cérebro, mesmo antes de apresentarem sinais de declínio cognitivo.

Os cientistas acreditam que o estresse e a inflamação causados pela solidão provavelmente contribuem para o surgimento ou a aceleração de doenças neurodegenerativas em adultos mais velhos. O impacto da solidão sobre o sistema cardiovascular – aumentando a pressão arterial e a frequência cardíaca – também pode ter um efeito prejudicial sobre o cérebro, disse Donovan.

A maneira mais geral pela qual a solidão afeta a saúde física e mental também pode influenciar o declínio cognitivo. O sentimento está intimamente ligado à depressão, outro problema que aumenta o risco de demência. E as pessoas solitárias têm menor probabilidade de serem fisicamente ativas e são mais propensas a fumar. “Todas essas coisas podem afetar a forma como o cérebro envelhece”, diz Lee. “São muitos os caminhos que levam da solidão ao declínio cognitivo”.

A maioria das pesquisas sobre solidão e neurodegeneração foram realizadas em adultos de meia-idade e mais velhos, então os especialistas não sabem se a solidão na infância ou no começo da vida adulta acarreta o mesmo risco. Mas Wendy Qiu, professora de psiquiatria e farmacologia experimental e terapêutica na Escola de Medicina da Universidade de Boston, descobriu que, quando as pessoas de meia-idade se sentem sozinhas apenas transitoriamente, e não cronicamente, não há risco aumentado de demência.

O cérebro tem a “capacidade de se recuperar” da solidão transitória, diz Qiu. Mas se as pessoas “não tiverem ajuda para sair da solidão e se sentirem sozinhas por muito tempo, isso será tóxico para o cérebro”.

Como você pode combater a solidão crônica?

Uma das recomendações mais comuns é meio óbvia: tente fazer novos amigos. Seja em aulas de arte, equipes esportivas, grupos de apoio ou oportunidades de voluntariado, o objetivo é se colocar em lugares onde as pessoas se encontram.

Esses tipos de situações sociais planejadas têm resultados variados. Lee comenta que elas tendem a funcionar melhor se houver uma “identidade compartilhada” entre as pessoas envolvidas, como grupos específicos para viúvas ou para pessoas com diabetes, para que elas tenham algo com que se identificar.

O outro lado da equação é trabalhar as atitudes e os padrões de pensamento a respeito das interações sociais por meio da terapia cognitivo-comportamental. Essas abordagens tendem a ser um pouco mais eficazes, nota Lee, porque “chegam à raiz” do problema, explorando o que dificulta a interação da pessoa com os outros.

As estratégias parecem simples, mas falar é mais fácil que fazer. “É um problema espinhoso”, comenta Finley. “Se fosse simples, não teríamos o relatório do Cirurgião-Geral dos Estados Unidos dizendo que precisamos resolver isso”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

c.2024 The New York Times Company

Fonte: Externa

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Dra. Mariana Lopes é uma renomada doutora na área da saúde com mais de 15 anos de experiência. Formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dra. Mariana é conhecida por sua abordagem inovadora e empática no cuidado de seus pacientes. Além de sua prática clínica, ela é uma colaboradora ativa do site O Diretório, onde escreve artigos detalhados e acessíveis sobre diversos temas relacionados à saúde, visando informar e educar o público. Sua dedicação à medicina e à educação a tornaram uma referência na comunidade médica.