Cérebro é o órgão mais impactado na menopausa, defende cientista italiana; leia entrevista

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por O Diretório
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Como exatamente a menopausa afeta o cérebro?A menopausa aumenta então a suscetibilidade a problemas neurodegenerativos?Por que você diz que as mulheres ganham uma ‘cabeça nova’ durante a menopausa?Qual o problema de desconhecer ou desprezar as consequências causadas pela menopausa no cérebro?No seu livro, você afirma que a forma como a menopausa é vista representa um importante problema de saúde pública. Poderia explicar melhor?Você tem números comparativos que demonstram o quanto a menopausa ainda tem sido menosprezada pela ciência?Quais tabus ainda permanecem quanto à menopausa? Países do ocidente e do oriente pensam muito diferentemente em relação a ela?Os sintomas da menopausa diferem em função das raças?Por que os médicos relutam em indicar a reposição hormonal durante a perimenopausa?Durante a residência em ginecologia e obstetrícia, os médicos estudam a menopausa? Se sim, de que forma?Em que medida a reposição hormonal pode prevenir demências como o Alzheimer?Considerando a relação íntima que você demonstra em seu livro entre a menopausa e o cérebro, qual especialista uma mulher deve buscar? Um ginecologista, um psiquiatra, um neurologista, um geriatra?A síndrome pós-covid afetou muitas mulheres, em especial aquelas na faixa da menopausa. Como diferenciar uma fadiga e um fog (confusão mental) decorrentes da covid de uma fadiga e um fog decorrentes da menopausa?Qual é, atualmente, a maior causa de menopausa precoce ou prematura?Qual o peso da menopausa na obesidade? Remédios como o Ozempic podem ser usados durante esse período?Falando em estilo de vida, o quanto ele interfere na menopausa?O último capítulo do seu livro trata do poder do pensamento positivo. Qual é a importância dele na forma de lidar com a menopausa?
Foto: Allison Hooban Photography/Divulgação

Lisa MosconiNeurocientista e autora do livro ‘O Cérebro e a Menopausa’

Entre tantas passagens instigantes do novo livro da neurocientista italiana Lisa Mosconi, O Cérebro e a Menopausa (Harper Collins), uma chama atenção porque faz todo o sentido na forma equivocada como a menopausa tem sido vista nas sociedades ocidentais. Trata-se de uma crítica que a autora faz à “medicina do biquíni”, ou seja, a medicina em voga que reduz a saúde da mulher aos órgãos reprodutivos, aqueles que ficam em evidência na “marquinha” que não toma sol.

Pois Lisa quer destacar outra parte do corpo feminino, o cérebro, e mostrar que ele é determinante em sintomas clássicos da menopausa, como ondas de calor, dificuldades com o sono, mudanças de humor, lapsos de memória, dificuldade de concentração, lentidão mental, energia baixa e diminuição do desejo sexual.

Por meio de imagens de tomografias cerebrais feitas antes e depois da menopausa, ela aponta as mudanças significativas que muitas mulheres enfrentam no cérebro nesse período – e como essa justificativa não só muda a perspectiva de como lidamos com essa fase, mas abre caminho para comportamentos voltados à ativação desse órgão, como reabilitação cognitiva, sono reparador, meditação, alimentação revigorante e terapia hormonal com foco na preservação da memória e na prevenção da demência.

Afinal, como ela diz, as mulheres não estão perdendo a cabeça durante a menopausa, e sim “ganhando uma cabeça novinha em folha”, que precisa de um olhar gentil e atencioso.

Aos 46 anos, Lisa é professora associada de neurociência e radiologia e diretora do Programa de Prevenção de Alzheimer no Centro Médico Well Cornell, em Nova York, onde vive com o companheiro e a filha de 10 anos. A seguir, confira trechos da entrevista que ela deu ao Estadão.

Cérebro sofre mudanças significativas durante a menopausa, segundo cientista italiana. Foto: jobim/AdobeStock/Gerado com IA

Como exatamente a menopausa afeta o cérebro?

A menopausa marca uma transição hormonal significativa, com um declínio acentuado do estrogênio e da progesterona e um aumento progressivo das gonadotrofinas hipofisárias, os chamados FSH (hormônio folículo-estimulante) e LH (hormônio luteinizante).

O estrogênio é o mais estudado desses hormônios. Sabemos que, para além do seu papel na função reprodutiva, ele é também um “hormônio cerebral” – apoia a produção de energia, protege os neurônios e está envolvido na regulação da memória e do humor.

Durante a menopausa, o declínio na concentração de estrogênio tem sido associado não apenas a ondas de calor, mas também a sintomas como confusão mental, lapsos de memória, alterações de humor, dificuldade de concentração e sono insatisfatório. Com o tempo, também pode contribuir para vulnerabilidades em regiões do cérebro associadas à memória e cognição, como o hipocampo, aumentando potencialmente o risco de doenças como o Alzheimer.

A menopausa aumenta então a suscetibilidade a problemas neurodegenerativos?

Sim, a menopausa aumenta a suscetibilidade a certas condições neurodegenerativas, particularmente a doença de Alzheimer. As mulheres representam quase dois terços dos casos de Alzheimer, e pesquisas sugerem que as alterações hormonais durante a menopausa desempenham um papel nessa disparidade.

O estrogênio tem efeitos protetores no cérebro. O seu declínio durante a menopausa pode deixar as mulheres mais vulneráveis ​​à neuroinflamação, ao estresse oxidativo e a déficits energéticos, fatores ligados à neurodegeneração.

Por que você diz que as mulheres ganham uma ‘cabeça nova’ durante a menopausa?

No meu livro, eu digo: “Se você está preocupada com a possibilidade de perder a cabeça ao passar pela menopausa, não se preocupe – você está ganhando uma nova!”. Isso reflete uma verdade fundamental. Embora as alterações hormonais possam parecer perturbadoras, elas também abrem caminho para a transformação.

O cérebro é altamente adaptativo. À medida que o estrogênio diminui, ele se reorganiza e estabelece novos padrões de funcionamento. Essa “nova cabeça” é uma oportunidade de crescimento, criatividade e resiliência, mesmo que a transição pareça acidentada. As mulheres podem sair dessa fase com clareza renovada e uma nova perspectiva de vida.

Essa “nova cabeça” [na menopausa] é uma oportunidade de crescimento, criatividade e resiliência

Lisa Mosconi, neurocientista

Qual o problema de desconhecer ou desprezar as consequências causadas pela menopausa no cérebro?

Ignorar ou não ter consciência de que a menopausa pode afetar o cérebro tanto quanto os ovários pode ter consequências negativas. As mulheres podem interpretar mal sintomas como lapsos de memória, alterações de humor ou dificuldade de concentração, assim como sinais de envelhecimento ou estresse, por não levar em conta as alterações hormonais.

Isso pode resultar em ansiedade desnecessária ou perda de oportunidades de buscar apoio. Sem essa consciência, também podemos não adotar medidas de proteção, tais como dieta saudável, exercícios, estimulação cognitiva ou, em alguns casos, terapia hormonal, que podem salvaguardar a saúde do cérebro.

Compreender que o “cérebro da menopausa” é real e que vale muito a pena ser abordado e discutido é capacitador para gerir a transição de forma proativa e preservar o nosso bem-estar mental e cognitivo.

Tomografias mostram o cérebro antes e depois da menopausa. A escala de cores reflete a energia cerebral, com cores mais brilhantes (vermelho a amarelo) indicando níveis mais altos de energia, e cores mais escuras indicando níveis mais baixos. Após a menopausa, a imagem tem mais verde, o que significa que o cérebro da mulher tem menos energia nesse período do que na pré-menopausa, à esquerda. Foto: Divulgação/Lisa Mosconi

No seu livro, você afirma que a forma como a menopausa é vista representa um importante problema de saúde pública. Poderia explicar melhor?

As mulheres representam metade da população, e todas aquelas que vivem o suficiente passam pela menopausa. Espera-se que mais de 1 bilhão de mulheres em todo o mundo estejam na pós-menopausa até 2025. No entanto, a menopausa continua sendo uma das áreas mais subdiagnosticadas, subpesquisadas, subtratadas e subfinanciadas na medicina.

Os sintomas da menopausa podem interromper a vida diária, a produtividade e o bem-estar geral e, para algumas mulheres, ela tem um impacto na saúde em longo prazo, incluindo riscos aumentados de osteoporose, doenças cardiovasculares e declínio cognitivo. Ver a menopausa como uma mera “fase da vida”, em vez de uma transição de saúde significativa, ignora seu impacto mais amplo na saúde das mulheres e nos sistemas de saúde pública.

Essa negligência perpetua as desigualdades no atendimento e deixa muitas mulheres sem acesso ao suporte de que precisam.

Ver a menopausa como uma mera “fase da vida” ignora seu impacto mais amplo na saúde das mulheres

Lisa Mosconi, neurocientista

Você tem números comparativos que demonstram o quanto a menopausa ainda tem sido menosprezada pela ciência?

Embora tenha havido um aumento na pesquisa sobre menopausa nos últimos anos, a disparidade continua gritante. Por exemplo, um novo relatório da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina mostrou que, em 2023, o NIH (National Institutes of Health, agência nacional americana de pesquisa médica) gastou proporcionalmente menos dinheiro estudando a saúde das mulheres do que em 2013, e a menopausa em si representa uma pequena fração do orçamento disponível dedicado à saúde da mulher.

Quais tabus ainda permanecem quanto à menopausa? Países do ocidente e do oriente pensam muito diferentemente em relação a ela?

Muitos tabus permanecem em torno da menopausa, especialmente nas culturas ocidentais, onde o envelhecimento das mulheres é frequentemente estigmatizado. Nas sociedades ocidentais, a menopausa costuma ser associada à perda, seja de juventude, de fertilidade ou de produtividade.

Em contraste, algumas culturas orientais veem a menopausa de forma mais holística, enfatizando seu papel no crescimento pessoal e na sabedoria. No entanto, mesmo nessas culturas, os aspectos biológicos e médicos da menopausa são frequentemente pouco discutidos, deixando muitas mulheres desinformadas sobre sua saúde.

Os sintomas da menopausa diferem em função das raças?

Alguns estudos mostram que os sintomas da menopausa podem variar de acordo com a raça e a etnia. Por exemplo, mulheres negras nos EUA relatam ondas de calor mais intensas e frequentes em comparação com as mulheres brancas, enquanto as asiáticas tendem a relatar menos sintomas vasomotores, mas podem sentir mais dores nas articulações. Essas diferenças podem refletir fatores sociais determinantes, como o acesso a cuidados específicos.

Por que os médicos relutam em indicar a reposição hormonal durante a perimenopausa?

A relutância em prescrever a terapia hormonal (TH) decorre em grande parte das preocupações levantadas pelo estudo Women’s Health Initiative (WHI) publicado em 2002, que vinculou a TH a riscos como câncer de mama e AVC entre mulheres na pós-menopausa com 65 anos ou mais. Pesquisas subsequentes mostraram que esses riscos são significativamente menores para sintomas de menopausa entre mulheres mais jovens tratadas com a reposição.

No entanto, o legado desse estudo da WHI ainda gera hesitação entre os médicos. A falta de treinamento no manejo da menopausa e o medo de processos contra os médicos também contribuem para essa relutância.

Durante a residência em ginecologia e obstetrícia, os médicos estudam a menopausa? Se sim, de que forma?

Infelizmente, a menopausa não tem sido foco importante do treinamento em ginecologia e obstetrícia em muitos programas médicos. Nos EUA, apenas um em cada cinco residentes é treinado para cuidar da menopausa, e ainda assim lhe falta a prática e a compreensão abrangente para, futuramente, orientar suas pacientes sobre as opções de terapia hormonal, por exemplo.

De qualquer forma, opções genéricas para terapias hormonais tradicionais, como estradiol, estão amplamente disponíveis e podem tornar o tratamento mais acessível.

A menopausa não tem sido foco importante do treinamento em ginecologia e obstetrícia em muitos programas médicos

Lisa Mosconi, neurocientista

Em que medida a reposição hormonal pode prevenir demências como o Alzheimer?

Realmente precisamos de mais pesquisas para responder a essa pergunta. O WHI continua sendo o único ensaio clínico de terapia hormonal (TH) para prevenção de demência, e não mostrou efeitos protetores. No entanto, a população do WHI incluiu mulheres que iniciaram a TH muitos anos após a menopausa, potencialmente perdendo a janela de oportunidade, quando a terapia pode ser mais benéfica.

As evidências de estudos observacionais (menos definitivos do que os ensaios clínicos) sugerem que a TH, especialmente a terapia somente com estrogênio para mulheres que fizeram histerectomia ou ooforectomia (remoção dos ovários), pode ajudar a reduzir o risco de Alzheimer se iniciada no começo da transição da menopausa, nos primeiros cinco a 10 anos.

As diretrizes atuais apoiam o uso da TH para reduzir o risco de declínio cognitivo em mulheres que passam pela menopausa precoce, principalmente após ooforectomia ou insuficiência ovariana primária (também conhecida como falência ovariana precoce). Essas mulheres enfrentam um risco maior devido à privação prolongada de estrogênio, e a TH pode ajudar a mitigar esse risco quando iniciada precocemente e gerenciada com cuidado.

Embora os benefícios da TH para a prevenção do Alzheimer permaneçam incertos para a população em geral, as evidências apontam para a importância de uma terapia individualizada, oportuna e bem monitorada.

Considerando a relação íntima que você demonstra em seu livro entre a menopausa e o cérebro, qual especialista uma mulher deve buscar? Um ginecologista, um psiquiatra, um neurologista, um geriatra?

Idealmente, mulheres com sintomas de menopausa devem consultar uma equipe multidisciplinar. Um especialista em menopausa pode abordar problemas hormonais, enquanto um neurologista ou neuropsicólogo pode ajudar a controlar sintomas neurológicos, como a névoa cerebral. Nossa equipe inclui esses especialistas e outros mais, abrangendo de obstetras a radiologistas.

A síndrome pós-covid afetou muitas mulheres, em especial aquelas na faixa da menopausa. Como diferenciar uma fadiga e um fog (confusão mental) decorrentes da covid de uma fadiga e um fog decorrentes da menopausa?

A síndrome pós-covid e a menopausa compartilham sintomas sobrepostos, como fadiga, confusão mental e distúrbios do sono, o que pode tornar a diferenciação desafiadora.

A síndrome pós-covid pode piorar os sintomas da menopausa ao exacerbar a inflamação e o estresse no corpo, tornando essencial uma abordagem de tratamento personalizada. Uma avaliação completa por um profissional de saúde qualificado pode ajudar a distinguir entre os dois.

Qual é, atualmente, a maior causa de menopausa precoce ou prematura?

As principais causas da menopausa precoce ou prematura incluem doenças autoimunes, condições genéticas como a síndrome de Turner e certos tratamentos contra o câncer, como quimioterapia e radiação. A menopausa cirúrgica devido à ooforectomia continua comum, frequentemente realizada durante histerectomias (extração do útero). Embora as taxas variem globalmente, muitas dessas cirurgias ainda são feitas preventivamente ou, às vezes, devido à falta de diretrizes firmes sobre a preservação ovariana. Quando apropriado, isso mostra a necessidade de abordagens que conservem os ovários, por exemplo.

Qual o peso da menopausa na obesidade? Remédios como o Ozempic podem ser usados durante esse período?

A menopausa é frequentemente associada a mudanças na composição corporal, incluindo aumento da gordura abdominal e redução da massa muscular, em parte devido ao declínio dos níveis hormonais. Essa mudança pode aumentar o risco de obesidade e condições relacionadas, como diabetes.

Medicamentos como Ozempic (semaglutida), projetados para controle de peso e diabetes, podem ser usados ​​durante a menopausa sob orientação médica, mas mudanças no estilo de vida continuam sendo a base para manter um peso saudável.

Falando em estilo de vida, o quanto ele interfere na menopausa?

O estilo de vida pode ter um impacto na gravidade e duração dos sintomas da menopausa. Exercícios regulares, dieta balanceada, gerenciamento de estresse e sono adequado podem ajudar a reduzir sintomas como ondas de calor, mudanças de humor e fadiga.

Por outro lado, o cigarro, o uso excessivo de álcool e o estresse crônico podem exacerbar os sintomas e aumentar os riscos à saúde a longo prazo, especialmente quanto a doenças cardiovasculares e neurológicas.

O último capítulo do seu livro trata do poder do pensamento positivo. Qual é a importância dele na forma de lidar com a menopausa?

O pensamento positivo pode desempenhar um papel poderoso na forma de lidar com a menopausa. Estudos mostram que uma mentalidade positiva pode reduzir o estresse, melhorar a resiliência e até mesmo aliviar alguns sintomas ao mudar a maneira como o cérebro percebe e responde ao desconforto. Práticas como atenção plena, gratidão e terapia cognitivo-comportamental (TCC) podem melhorar o bem-estar geral durante essa transição.

Fonte: Externa

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