Antonio Buzaidoncologista e co-fundador do Instituto Vencer o Câncer
Ser diagnosticado com um câncer hoje já é extremamente diferente do que há dez anos. Pelo menos no que se trata de possibilidades de tratamento, a exemplo dos recentes e surpreendentes resultados com a terapia CAR-T, que usa células modificadas geneticamente do próprio paciente para estimular o sistema imune a “matar” o tumor.
Muitos desses tratamentos inovadores, quando já disponíveis para uso clínico (em pessoas), são opções muito caras e o acesso vira um grande problema. Para Antonio Buzaid, co-fundador do Instituto Vencer o Câncer (IVOC) e diretor médico geral do Centro de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, é como se houvesse dois países dentro do Brasil.
“A área pública não tem, em geral, acesso aos medicamentos mais modernos. Enquanto na área privada, coberta por seguros médicos, a maioria dos pacientes tem”, afirma, em entrevista ao Estadão. Repensar a política de precificação e investir em estudos sobre a dosagem das drogas estão entre as soluções, reflete.
O desafio é também manter o paciente atualizado para conseguir, junto à equipe médica, buscar o melhor tratamento possível. Mas, no Brasil, muita gente só descobre o câncer quando o quadro já se encontra em estágio avançado. Logo, outra grande luta é estimular cada vez mais o diagnóstico precoce.
Agora, cabe destacar que, ao contrário do que muita gente pensa, a maioria dos casos de câncer pode ser prevenida. Nesse sentido, é preciso incentivar cada vez mais a adoção de hábitos de vida saudáveis, como seguir uma alimentação equilibrada, praticar exercícios, não fumar e manter as vacinas em dia.
Para explorar sobre todos esses eixos – prevenção, diagnóstico e tratamento –, o Instituto Vencer o Câncer estreia uma coluna no Estadão a partir desta quarta, feira, 4. Quinzenalmente, um especialista ligado à organização social trará informações valiosas sobre o universo da oncologia.
Confira, abaixo, a entrevista com o co-fundador do instituto:
O que as pessoas podem esperar da coluna?
A ideia toda é educar para empoderar as pessoas. Quanto mais elas sabem sobre suas doenças, melhor tratadas serão. E elas devem, inclusive, questionar seus médicos (para saber) se estão recebendo as melhores opções, se há opções novas ou experimentais que poderiam ser utilizadas.
A oncologia é uma área em franca evolução. O que mudou desde que o senhor se formou?
Me formei em oncologia, nos Estados Unidos, em 1988, e, de lá pra cá, grandes avanços ocorreram. As duas áreas mais importantes foram a terapia-alvo — medicamentos que atuam em pontos específicos da célula cancerosa — e a imunoterapia — medicamentos que estimulam o sistema imune para atacar as células cancerosas. São as duas áreas com os maiores avanços em toda a oncologia.
As regras da oncologia permanecem: curar sempre que possível. Se não for possível curar, prolongar a vida com a melhor qualidade possível. Se não for possível prolongar a vida, mitigar o sofrimento. Essas três regras existem desde que eu era um jovem estudante de oncologia. O que mudou é que hoje a gente cura mais câncer.
Eu já dei alta para vários pacientes. Seria considerado impossível dar alta para um paciente com melanoma e metástase no cérebro. Isso existe na oncologia hoje e, obviamente, era absurdamente raro há 10, 15 anos. Então, é uma mudança de paradigma: aumentar as chances de cura de vários cânceres potencialmente curáveis. Esse é o cenário, essa é a missão do oncologista quando vê um câncer potencialmente curável: tentar curar o paciente. E essa missão agora é feita com maior fervor, porque temos mais armas para isso.
Esses avanços da oncologia têm sido acessíveis para todos ou alguns pacientes são tratados como no passado?
O Brasil tem dois grandes países na área da medicina, a área pública e a área dos pacientes que têm seguros médicos. Infelizmente, existe um abismo (entre eles). A área pública não tem, em geral, acesso aos medicamentos mais modernos. Enquanto na área privada, coberta por seguros médicos, a maioria dos pacientes tem.
Como resolver esse problema?
A política de preços de medicamentos no Brasil pode ser um pouquinho mais dura, mais rigorosa. Os remédios ainda continuam muito, muito caros. As regras deveriam mudar. O preço dos medicamentos deveria ser proporcional ao salário mínimo de cada país, não simplesmente o máximo valor que se consegue para que seja aprovado (por aqui).
Segundo ponto, o governo deve patrocinar estudos para tentar reduzir o preço de medicamentos. Como assim? Há remédios que provavelmente estão sendo usados com doses desnecessariamente elevadas. Você não precisa de tanto para ter efeito. O governo holandês fez isso, por exemplo. Então, o Brasil deveria se empenhar mais no desenho de estudos que podem resultar em redução de custo de um remédio.
Vou dar um exemplo. Um estudo foi feito usando 10 tiros para atingir um alvo. Então, a gente usa 10 tiros. Mas será que três tiros não são tão bons quanto 10? Será que eu preciso de 10? 10 claramente é mais caro do que três. Então, eu tenho que fazer um estudo para provar que três tiros para acertar o alvo é tão bom quanto 10 tiros.
Tem remédios que talvez estejam sendo usados com doses excessivamente ou desnecessariamente elevadas, que foram desenvolvidos assim. Cabe agora aos governos e aos seguros médicos patrocinarem estudos para avaliarem doses menores, que possivelmente são igualmente eficazes.
Isso parece ser, de fato, uma tendência internacional. A FDA (órgão semelhante à Anvisa) tem, por exemplo, o Projeto Optimus, para estimular a otimização da seleção de dose no desenvolvimento de medicamentos oncológicos.
Por que isso ocorre em oncologia? Os estudos já começam com doses muito altas?
Os estudos não começam com a dose mais alta. Sempre começam com doses baixas, mas são baseados em uma premissa antiga de que a maior parte dos remédios tem uma relação dose-resposta. Se eu der muito pouquinho, não vai fazer nada, se eu der mais, provavelmente o paciente teria maior ganho. Isso é verdade para a quimioterapia, e influencia até hoje o desenvolvimento de outras formas de medicamentos.
Obviamente, isso deve ser mudado. Porém, estudos (para isso) são pouco feitos. Precisamos ter mais estudos e com maior celeridade. Como, obviamente, não é de interesse da farma (indústria farmacêutica), governos e seguradoras, que têm interesse direto nisso, deveriam ser mais dinâmicos e executar estudos desse tipo.
Um estudo recente, publicado no JAMA, apresentou estimativas para os casos de câncer até 2050, e estimou um aumento de 76%. No Brasil será de 83%. Por que temos observado esse aumento constante ao longo do tempo? Apenas o envelhecimento populacional explica essa tendência?
Não. Existe um aumento na incidência de câncer em pessoas jovens. Houve um shift (uma mudança) no aparecimento de cânceres. Por exemplo, há um claro aumento de câncer de mama em mulheres jovens. Um claro aumento de câncer colorretal em pessoas jovens. Isso, em grande parte, é influenciado pelos hábitos ocidentais da dieta típica da cultura americana, que é extremamente cancerígena. Aliado a isso, temos hábitos de vida não saudáveis que impactam também adversamente nesse sentido.
O estudo também trouxe um comparativo por meio do índice MIR (que é uma razão entre incidência e mortalidade: quanto maior ele for, mais letal é o câncer e menor é a sobrevida no país). O MIR global está em 46%, enquanto no Brasil é de 40%. Nos países de IDH mais baixo, o índice chega à quase 70%, o dobro do observado em países de IDH alto, que é de 33%. O que estamos fazendo certo e onde podemos melhorar?
Você consegue reduzir a mortalidade de um câncer com detecção precoce. Simples assim. Por exemplo, um câncer de mama de 1 centímetro tem aproximadamente 90% de (chance de) cura. Já um câncer de mama de 5 centímetros tem mais ou menos 50% de cura. Isso é um número grosseiro, só para ter uma ideia da magnitude. Óbvio, se eu fizer mamografia regularmente, eu tenho a chance de detectar um tumor quando ainda é pequeno e, nesse caso, a mortalidade daquele câncer vai cair.
E o governo tem se esforçado em fomentar as mamografias, colonoscopias, check-up de câncer de próstata. Coibir o fumo no Brasil foi um ato fantástico, hoje nós temos uma extensão baixa de fumantes. Mesmo assim há muito ainda para fazer. A prevenção é a grande chave para reduzir a mortalidade associada.
Realmente, reduzimos drasticamente o tabagismo desde os anos 1980. Mas, agora, a popularização dos cigarros eletrônicos, os vapes, ameaça essa conquista. Foi uma surpresa, para o senhor, enquanto oncologista, ver isso ocorrer?
Há inclusive mortes associadas ao uso do vape. Eles começam a apresentar substâncias adicionais, derivadas da marijuana. A coisa começa a complicar. E eles são extremamente adictivos por causa da nicotina. Então, o que nós temos que fazer é propaganda agressiva contra o vape.
Pra mim foi (surpreendente). Eu não esperava isso, achei que a população já estava ficando mais esperta. Mas adolescentes, em particular, são muito mais vulneráveis a influências, propagandas e hábitos sociais do que pessoas mais maduras. Portanto, eles são alvo (de marketing e propaganda) exatamente pela vulnerabilidade.