Quando criança, Anton Karl Biedermann tinha a coleção completa do Tarzan. Embora conhecesse as histórias de cor, lia os livros repetidas vezes. “Era o ídolo da garotada”, recorda. Pouco depois, passou a assistir aos filmes do Rei das Selvas na matinê. Na tela do cinema, quem interpretava o personagem de Edgar Rice Burroughs (1875-1950) era Johnny Weissmuller (1904-1984). Antes de virar astro de Hollywood e protagonizar 12 filmes do herói, foi nadador – quebrou 28 recordes mundiais, disputou duas Olimpíadas (Paris, em 1924, e Amsterdã, em 1928) e ganhou seis medalhas: cinco de ouro, todas na natação, e uma de bronze, no polo aquático.
Toda vez que estreava um filme novo de Tarzan, Anton repetia para si mesmo: “Preciso aprender a nadar…”. Mas, como não havia piscina em Rio Grande, município a 317 quilômetros de Porto Alegre (RS) onde nasceu, não teve a oportunidade. Só veio a dar suas primeiras braçadas aos 12 anos, quando sua família se mudou para Guaratinguetá (SP). “De tanto assistir aos filmes do Tarzan, aprendi a nadar em três dias”, orgulha-se.
Aprendeu e não parou mais. Há dias, Anton Karl Biedermann, que neste domingo, 22, completa um século de vida, realizou mais uma proeza. O atleta do Grêmio Náutico União, clube que defende desde os 17 anos, quebrou o recorde mundial nos 50 metros costas na categoria 100+, com o tempo de 1m9s. A prova fazia parte do Campeonato Estadual Master de Inverno e foi disputada na piscina olímpica do Recreio da Juventude, em Caxias do Sul. “É um esporte democrático que pode ser praticado por atletas de todas as idades, desde os recém-nascidos até os centenários”, afirma Carlos Guilherme, um dos treinadores de Anton. “O risco de lesão é mínimo”.
Inspiração materna
Se hoje é um dos mais longevos atletas de natação em atividade no Brasil, Anton deve isso a sua mãe, Alice. Foi ela quem levou Anton e a irmã, Helene, para se matricular em um clube em Guaratinguetá. O pai, Anton, não estimulava a prática de atividades físicas. “Dizia que esforço demais fazia mal ao coração”, entrega. Certa ocasião, Dona Alice avisou ao filho que estava à procura de um professor de natação. “Para quê?”, indagou. “Tu sabes nadar”. “Só sei nadar peito. Quero aprender crawl e costas”, explicou. Detalhe: Dona Alice tinha 94 anos!
A história acima está contada no livro 50 Metros a Mais…, escrito pela jornalista Suzana Naiditch. Publicado pela Editora Histórias Únicas em 2018, narra as aventuras e desventuras de Anton dentro e fora das piscinas. A história que serviu de inspiração para o título do livro também está lá. Aconteceu em 1942, durante o campeonato estadual. Anton disputou a prova dos 1.500 metros com o atleta Lauro Meyer.
Lá pela metade do percurso, Anton já não aguentava mais. Cansado, diminuiu seu ritmo e, praticamente, deixou Lauro ganhar. Na linha de chegada, ouviu de seu oponente: “Guri, se tu aguentasse mais 50 metros, eu teria desistido”. Na mesma hora, Anton pensou: “Puxa, 50 metros a mais eu teria aguentado…”. Mas, era tarde demais: Lauro já tinha vencido a prova. “Foi uma lição que ele aprendeu e nunca mais esqueceu: não devemos desistir nunca”, afirma Suzana. “Até hoje, Anton não desiste nunca. Especialmente da vida”.
Ao longo das décadas, Anton ganhou várias medalhas na natação. Tantas que já perdeu as contas. “Tenho uma parede cheia lá em casa”, orgulha-se. Apesar disso, nunca se tornou nadador profissional. Formado em Ciências Contábeis e Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), trabalhou como empresário. “Gosto de nadar por hobby”, avalia. Além de natação, praticou polo e remo.
Anton lamenta que, em Paris 2024, o Brasil não tenha conquistado uma medalha sequer na natação. O melhor resultado, por assim dizer, foi o quinto lugar de Guilherme Costa, o Cachorrão, nos 400m livre masculino. Ao todo, o País contabiliza 15 medalhas olímpicas no esporte. O único ouro foi conquistado por César Cielo, nos 50m livre, em Pequim 2008. “Não estamos incentivando nossas crianças a nadar. Há poucas escolinhas no Brasil”.
Segredo da longevidade
Chegar aos 100 anos, esbanjando vitalidade, não é para qualquer um. No Brasil, apenas 37,8 mil idosos, segundo o Censo de 2022, têm esse privilégio. Seis vezes por semana, Anton treina cerca de uma hora e meia por dia. Praticar natação, garante, não faz bem só à saúde física. “Até hoje, quando tenho algum problema, sabe o que eu faço? Pulo na piscina”, ri. “Das duas uma: ou esqueço dos problemas ou encontro solução para eles”.
Anton dorme cedo. Por volta das 21 horas, já está na cama. E acorda cedo também. Lá pelas cinco, antes de o galo cantar. Pular da cama, reconhece, não é nada fácil. Mas deixar para mais tarde é ainda pior: “Pode bater preguiça”, adverte. Uma dica para enfrentar o frio? “Começo a fazer alongamento ainda debaixo das cobertas”, ensina. Além de praticar exercícios e dormir bem, Anton segue outra dica materna: não esperar se empanturrar para terminar a refeição. “O ideal é se levantar da mesa com um gostinho de quero mais!”, brinca.
A vida saudável não impediu Anton de passar por perrengues. No finalzinho dos anos 1980, acordou no meio da noite com dores. Era uma grave infecção na vesícula. “Tive que ser operado às pressas”, relata. Quase duas décadas depois, outro susto: havia uma obstrução numa coronária. O jeito foi fazer um cateterismo e colocar quatro pontes: três de safena e uma mamária. Seis dias depois de operado, recebeu alta. Pensa que acabou? Desde os 60 anos, convive com o diabetes. “A doença nunca me impediu de nadar. Pelo contrário. Nadar me ajuda a controlar a doença”, afirma o atleta que mede o nível de glicose antes e depois de cada treino ou prova.
Revezamento familiar
CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE
Em 50 Metros a Mais…, Anton garante não ter medo da morte. Embora não acredite em vida após a morte, está convencido de que a morte não é o fim. “A vida continua nos filhos. Cada filho tem um pedacinho dos pais. É uma forma de não morrer”, filosofa o pai de quatro filhos: Carlos, Rosane, Eduardo e Antônio Carlos.
Se Anton herdou da mãe a paixão pela natação, um de seus legados é o amor pelos esportes. Dos quatro filhos, os mais praticantes são Carlos e Rosane. “Na juventude, Rosane foi campeã brasileira de ginástica olímpica. Hoje, é uma das melhores nadadoras na sua categoria”, elogia o primogênito, com 71 anos. “Corri 19 maratonas. Hoje, me dedico à bike e à natação”. Além dos quatro filhos, Anton tem sete netos e quatro bisnetos.
Em outubro, Anton, Carlos e Rosane disputarão o Campeonato Sul-Americano Masters de Natação em Buenos Aires, na Argentina. Paula, uma das sete netas, completa a equipe de revezamento 4x50m medley misto. “São muitas as lições que aprendi com meu pai. A maior delas: aprender a perder, mas desistir jamais. Cada derrota serve de motivação e estímulo para lutar mais, treinar mais, estudar mais, para vencer na próxima”, afirma Carlos.