Após dias de silêncio, o ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, confirmou na sexta-feira (19) que o governo retirou ouro das reservas do banco central do país e o enviou ao exterior.
Na entrevista, Caputo não mencionou o destino ou a quantidade de ouro transportada. De acordo com a imprensa local, as operações teriam envolvido cerca de US$ 450 milhões (R$ 2,5 bilhões).
Deputado questiona governo
A especulação de que esse movimento estaria em marcha ganhou força na última semana, quando o deputado Sergio Palazzo (UCR) alertou sobre o embarque de ouro argentino para o exterior, enviando uma carta ao governo em 15 de julho.
O político pediu detalhes sobre movimentações de ouro nos dias 7 e 28 de junho, questionando se o Banco Central transportou o metal com a empresa Lumil até o aeroporto e se ele foi enviado em um voo da British Airways para Londres. O governo tem 15 dias para responder formalmente.
“Dadas as versões circulantes relacionadas à saída de ouro das reservas do BCRA com destino ao exterior, apoio a solicitação de informação pública, clara, precisa, completa e detalhada, feita ao presidente do BCRA”, escreveu o deputado em sua conta no X (antigo Twitter).
Garantia para obter dólares
A Argentina tem o equivalente a cerca de US$ 4,6 bilhões, de acordo com o Banco Central.
A maior parte do ouro permanece guardada no país. Outra parcela está distribuída em instituições bancárias no Reino Unido e na Suíça.
Segundo o jornal “Clarín”, em ao menos uma gestão anterior esses ativos foram usados como garantia para obter dólares.
Em 2017, o então presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger, transferiu cerca de US$ 450 milhões em ouro para gerar rentabilidade.
Tanto Caputo quanto Sturzenegger (hoje ministro da Desregulação e Transformação do Estado) foram do governo de Mauricio Macri e, hoje, fazem parte do gabinete de Javier Milei.
Depois que a retirada do ouro foi confirmada pelo ministro, especialistas criticaram a decisão, apontando os sinais de dificuldade que o governo Milei tem tido em acumular reservas, e que estaria tendo de lançar mão de estratégias arriscadas.
Uma das maiores frustrações do governo no primeiro semestre foi a demora do campo argentino para vender as exportações de grãos, já que os agricultores estão insatisfeitos com o atraso na cotação oficial do dólar e esperam uma nova desvalorização do peso argentino.
Segundo uma fonte ouvida pela “Folha”, a retirada do ouro é um sinal mais claro de fraqueza do que de força por parte do governo e é um movimento incomum, mesmo nos anos recentes de turbulência na economia do país.
“Levar as reservas de ouro da Argentina para outra jurisdição, como o Reino Unido ou os Estados Unidos, exige que quem tomou a decisão tenha muita certeza de que não há risco de embargo”, alertou no X o economista da UBA (Universidade de Buenos Aires) Jorge Carrera.
“Lembrem-se das reservas de ouro da Venezuela no Reino Unido que, acreditem ou não, foram atribuídas ao chamado governo legítimo [do opositor] Juan Guaidó ou da questão da Rússia na União Europeia.”
Ele segue dizendo que é preciso que o governo apresente um relatório jurídico sólido que recomende o envio das reservas e os benefícios avaliados menos os custos reais (com transporte, por exemplo) e os custos potenciais (como a probabilidade de embargo).
Antes de Caputo, Milei havia dito, sem dar maiores detalhes, a um outro programa de TV que tinha armadas operações de “repo”, sigla para repurchase agreement (contrato de recompra, na tradução livre), para o pagamento de dívidas no ano que vem.
Também em sua conta na rede social, o ex-ministro da Fazenda Martín Guzmán questionou o envio do ouro, agora: “É para isso que estão tirando do país o ouro do Banco Central?”
“Um repo é como penhorar as joias da vovó. Você dá o ouro em troca de dólares. Logo chega a hora de devolver os dólares para recuperar o ouro. Se você não tiver os dólares, a loja de penhores (neste caso, um banco internacional) fica com o ouro”, complementou o ex-ministro.