Eu tive um professor na universidade a quem admirava. Ele era competente, sabia muito e, naquela pirâmide de cargos a que todos os que trabalham estão submetidos, tinha chegado ao topo. Hoje, ao reviver aquele momento, me dou conta de que invejava o que ele havia conquistado profissionalmente.
Talvez ele soubesse, ainda que de forma inconsciente, que eu buscava ser tão exitoso quanto ele e alcançar posições tão distintas quanto as que tinha obtido em sua vida profissional, entre elas, o cargo que ele tinha na instituição de ensino.
Anos mais tarde, em uma visita a esse mestre, ouvi dele que eu era o seu sucessor natural. Nada me deixou com tanto orgulho.
Admiração é tida como um sentimento nobre, uma virtude moral. Mas o que dizer da inveja? Essa é feia, um defeito de caráter. Tanto que ela é colocada entre os sete pecados capitais, junto com a avareza, a gula, a ira, a luxúria, a preguiça e a soberba.
Leia também:
Mas será que realmente a inveja merece esse rótulo tão ruim? Penso que a minha historinha nos ajude a ver um lado positivo nela. Evidente que o meu professor tinha algo que eu não tinha (uma posição de prestígio na instituição onde eu trabalhava) e esse era o motivo de eu invejá-lo. Mas o que eu fiz foi mergulhar no propósito de chegar lá também, dedicando-me, estudando, dando o meu melhor. A inveja serviu para mim como um motor de estímulo e de impulsão.
Mas isso só foi possível porque admiti a mim mesmo que eu tinha uma ponta de inveja. Esse é o passo mais difícil. Muitas pessoas têm dificuldade em reconhecê-la e acabam transformando-a em ressentimento, pesar ou raiva. Quantas vezes pensamentos do tipo “por que ele e não eu” não passam pela nossa cabeça?
A diferença entre a inveja saudável e a inveja doentia é clara: elas nos estimulam a agir de maneiras muito diferentes. Uma, dá início a um movimento positivo. A outra, nos arrasta para baixo.
Foi isso o que mostrou um estudo: a inveja saudável motiva as pessoas a melhorarem. Em testes feitos com alunos, não só aqueles que invejavam de forma benigna tiveram mais incentivo para estudar como obtiveram melhor desempenho.
Os mesmos pesquisadores fizeram outro teste: quanto mais alinhados ao sentimento de inveja doentia os entrevistados estavam, mais eles reclamavam das pessoas que invejavam.
Ninguém discute que a inveja é um sentimento que todo nós evitamos sentir e que, por vezes, pode ser destrutiva. Mas ela também pode nos catapultar, nos estimulando a dar o nosso melhor.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.